sábado, 10 de setembro de 2011

O 11 de Setembro: medo e guerra



Visão distante da ilha de Manhattan após as duas torres desabarem (Foto: AP)

Efeméride. Na procedência latina, “efeméride” significa “calendário” ou, no sentido mais utilizado modernamente, “data memorável” ou “fato a ser lembrado”. Esses fatos são, geralmente, vinculados a calendários oficiais como eventos que precisam ser, por um motivo ou outro, rememorados ou comemorados. Hoje, estamos às voltas com uma efeméride mundial: o 11 de Setembro.

Os acontecimentos impressionantes daquela manhã de 2001 foram modelados pelos discursos midiático e governamental dos Estados Unidos como episódio marcante que, por sua “infâmia”, teria mudado para sempre os rumos do país (e do planeta). Nesse sentido, os acontecimentos de 10 anos atrás foram transformados pelos EUA em “data memorável” não apenas para os estadunidenses, mas para todos e cada um.
Então, nas vésperas do aniversário dos atentados em Nova York (o World Trade Center) e na Virgínia (o Pentágono), abundam os documentários, as reportagens que relembram o dia, as entrevistas com especialistas, as matérias que supostamente acrescentam novos dados, novas imagens ou declarações inéditas de personalidades políticas ou de anônimos. Reforça-se, portanto, a construção de um memorial não apenas concreto – aquele a ser inaugurado no Marco Zero (Ground Zero) de NY –, mas também outro, mais abrangente e imaterial, constituído pela repetição exaustiva de imagens e sons que, nessa década, produziram o 11 de Setembro como efeméride.

Essa produção do 11 de setembro foi e é uma ação política, na medida em que permitiu a declaração e a manutenção de uma guerra de novo tipo, na qual países – os EUA e seus aliados – identificaram como alvo não outro país, mas grupos ou “redes”, como a Al-Qaeda e organizações associadas a ela. A chamada guerra ao terror não é uma “guerra clássica” porque não opõe Estado a Estado, mas Estados a agrupamentos dessemelhantes sem endereço fixo, sem hierarquia equivalente, sem forças armadas comparáveis, sem protocolos diplomático-militares compatíveis. A capacidade de ocultar-se e aparecer dos terroristas contemporâneos, sua rapidez em circular pelos caminhos abertos com a globalização e sua habilidade para lidar com os mesmos recursos tecnológicos utilizados por empresas e governos mostrou que a guerra não ronda apenas as relações internacionais, ou seja, ela não se passa apenas no espaço que existe para além das fronteiras dos Estados num campo de batalha demarcado. A partir de setembro de 2001 ficou explícito que a guerra se exerce dentro e fora das fronteiras, que ela é constante ainda que não deflagrada todo o tempo e que não se resume aos combates tradicionais entre soldados nos fronts.

A experiência dessa guerra permanente detonou o medo. Indivíduos nos EUA e nos seus aliados começaram a temer a morte violenta a cada passo, cada respiração. O inimigo não tinha mais rosto reconhecível. O “muçulmano radical”, disposto a se suicidar para matar infiéis, poderia ser qualquer um, árabe ou não. As bombas poderiam explodir em qualquer lugar, a qualquer hora. E depois de 2001 vieram as bombas em Bali (2002), em Madri (2004) e em Londres (2005). O medo se espargiu. E com ele, as amedrontadas pessoas dirigiram aos Estados seus clamores por proteção. Assim, as medidas de exceção, a vigilância nos aeroportos, os grampos nos telefones, o rastreamento de e-mails, as invasões do Afeganistão e do Iraque, a tortura em Abu Ghraib e em tantas outras prisões clandestinas, a ativação do campo de concentração de Guantánamo, a eliminação de suspeitos (como Jean Charles de Menezes), o assassinato de Osama Bin Laden, dentre outros acontecimentos, passaram a ser justificáveis diante do medo.

Os atemorizados cidadãos das democracias ocidentais aceitaram o discurso que fez dos muçulmanos fanáticos suicidas. Legitimaram, desse modo, a guerra ao terror que acionou, nas palavras de George W. Bush, uma cruzada em nome da liberdade e da democracia contra o suposto “obscurantismo fundamentalista”. Poucos, no entanto, parecem ter notado como são simétricos os pólos dessa luta. De um lado, os EUA encamparam a defesa de valores tidos como inquestionáveis e universais (a democracia, as liberdades civis, os direitos humanos, o livre mercado, a tolerância). De outro lado, ficaram Bin Laden e os seus, apresentando-se como protetores de valores igualmente colocados como inquestionáveis e universais (a fé em Alá e Maomé, a superioridade do Corão, a validade da lei islâmica, a necessidade do Estado teocrático). Agora, no 11 de setembro de 2011, completa-se uma década não do “choque de civilizações” (entre o Ocidente e o Islã tomados como blocos homogêneos), mas do “choque entre universais”: o universal ocidental contra o universal fundamentalista islâmico.

Os dois universais são, portanto, simétricos. Ambos lutam pelo poder de uma forma de Estado e de uma determinada ordem sócio-política centralizada. Ambos consideram-se o “Bem” e têm o outro como o “Mal”. Ambos se baseiam em tradições culturais e religiosas centradas na figura do mártir: o profeta, o messias e o homem santo que morrem em nome da fé. Com quem está a verdade? Não há verdade: a guerra dirá qual é mais verdadeiro. Ou como diziam muitos povos antigos, a guerra mostrará o deus mais forte. Isso não é só religião: é política.

Os esforços da ONU de estabelecer uma definição única de “terrorismo”, para justificar globalmente a guerra ao terror, são vãos. O que é “terrorismo”? Seria um modo de ação, uma tática? Seria explodir edifícios e infra-estrutura, matar civis, provocar insegurança, assassinar autoridades do inimigo? Se fosse assim, o que diferenciaria a Resistência Francesa da Al-Qaeda? O que as diferencia é uma questão política: para um grupo qualquer, os seus combatentes são sempre heróicos e bravos. Não há, assim, definição de terrorismo que não seja política: o “terrorista” é sempre o outro, o inimigo que usa tais táticas.

Além disso, não há um só “terrorismo” que possa ser definido. Há terrorismos. A procedência contemporânea mais importante do terrorismo é o chamado período do Terror (1793-1794), durante a Revolução Francesa, no qual o Estado, em nome da verdade revolucionária (“universal” e “inquestionável”), executou milhares de “inimigos da revolução”. Essa forma de terrorismo – o terror de Estado – reemergiu no século 20 onde quer que tenham brotado “verdades universais e inquestionáveis” e, com elas, inimigos a serem torturados, presos e eliminados: na Rússia revolucionária, na Alemanha nazista, na Cuba do “paredón”, na China da “revolução cultural” e nas ditaduras latino-americanas instaladas em nome dos “valores cristãos e ocidentais”.

Não só em defesa do Estado praticaram-se terrorismos; contra ele, também. Foram homens e mulheres que lutaram contra o autoritarismo e o capitalismo em organizações como as Brigadas Vermelhas na Itália, o Baader-Meinhof na Alemanha, os Montoneros na Argentina, os Tupamaros no Uruguai, a VAR-Palmares (da qual fez parte Dilma Rousseff), o MR-8, entre outros grupos, no Brasil. Outros, ainda, foram e são terroristas para a criação de um outro Estado, como o Exército Republicano Irlandês (IRA), o Pátria Basca e Liberdade (ETA) ou a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Nesse conjunto todo, apenas os terroristas anarquistas, no final do século 19 e começo do século 20, como Émile Henry e Ravachol, assumiram-se terroristas afirmando um combate direto para a destruição do Estado e não para sua transformação, defesa ou criação.

O chamado terrorismo fundamentalista, desse modo, não é a quintessência do terrorismo. Ele é um terrorismo. Assim, o 11 de setembro de 2001 não registrou seu surgimento, já que suas procedências remontam mais de uma década antes disso, mas marcou sua emergência como acontecimento contemporâneo que se realiza transterritorialmente e que pôs em marcha uma guerra cotidiana que atravessa corpos, fronteiras e países. Uma guerra que tem nesse dia sua efeméride, sua data heróica e seus mártires.

Da mesma procedência etimológica de “efeméride”, mas na proveniência grega, há “efêmero” que significa “o que dura somente um dia”. Os atentados de 11 de setembro de 2001 não foram efêmeros porque ativaram efeitos que continuaram não apenas nos controles e iniciativas diplomático-militares de uma guerra constante praticada desde então, mas, também, porque se tornaram uma rotina, um programa de ação aplicado por grupos espalhados pelo globo e que se afinam em linhas gerais com o discurso da Al-Qaeda e agem associando sua imagem à dela. Para os fundamentalistas é provável que o 11 de setembro também seja comemorado como uma efeméride, com seus heróis e mártires. Eis a simetria.

O terrorismo fundamentalista provoca medo e susto, mas não surpresa. O medo, por sua vez, gera a difundida sensação de insegurança que acaba por reforçar o Estado como protetor. Sendo assim, o 11 de Setembro fez mal à saúde dos Estados Unidos – ou de qualquer outro Estado – no que diz respeito à crença no Estado como soberano protetor? Não é o que parece: enquanto houver medo, o Estado não tem nada a temer. Então, diante dessas efemérides e dessas violências, nesse mundo de simetrias e medo, haveria ainda espaço para a surpresa?

*Thiago Rodrigues é professor no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), vice-coordenador do Curso de Relações Internacionais da UFF, pesquisador no Nu-Sol/PUC-SP e autor de Guerra e política nas relações internacionais (Educ, 2010).

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Internacional e difuso, o futuro do terrorismo é cibernético



Além de mísseis, aviões e homens-bomba, os terroristas do futuro poderão usar computador, mouse e teclado para atacar os Estados Unidos. A afirmação vem de especialistas americanos, que apontam o terrorismo cibernético como a próxima grande ameaça ao país. Através de hackers, grupos terroristas poderiam roubar informações do Pentágono, bloquear contas bancárias e até assumir o controle de naves espaciais.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tem anunciado repetidamente que segurança cibernética é uma prioridade do seu governo. A preocupação é compreensível. O Pentágono sofre 1 milhão de ataques virtuais por dia e a Nasa, que já teve seu sistema hackeado em 2009, anunciou este ano que teme pelo controle das suas aeronaves no espaço.

O principal medo das autoridades americanas é que terroristas utilizem estas ferramentas para facilitar um atentado como o de 11 de Setembro. "Se eles conseguirem bloquear os computadores do Pentágono, seria fácil nos atacar porque nosso sistema de defesa é inteiramente baseado nesses computadores", afirma o professor Lawrence Gordon, especialista em Segurança Cibernética da Universidade de Maryland.

E mesmo que o ataque fosse estritamente virtual, teria consquências sérias num país que depende inteiramente da internet para controlar sistemas de transporte, energia e financeiro. Gordon lembra que há diversas formas de fazer terrorismo, desde que prejudique o modo de vida de uma nação. "O simples ato de parar os trens de uma cidade como Washington D.C geraria pânico e desconforto", acredita.

Mas para ele, a forma mais eficaz de afetar os Estados Unidos seria bloquear as contas bancárias dos milhões de americanos que dependem inteiramente dos seus cartões de crédito. "Basta lembrar que 70% das transações bancárias circulam entre dois bancos de Nova York. Imagina se eles param de funcionar. As pessoas não teriam dinheiro para chegar em casa", constata.

A façanha de lançar uma ofensiva através do mundo virtual parece improvável, mas já foi realizada em 2008, durante o confronto entre Rússia e Geórgia. Antes de lançarem seus mísseis, os russos limitaram o acesso da Geórgia à internet e bloquearam os sites do governo. Desta forma, enquanto estava sendo bombardeado, o país ficou impossibilitado de se comunicar online e pedir ajuda a outros países.

Treinamento de guerra
Pensando em se preparar para esta nova realidade, o governo dos Estados Unidos acaba de fechar uma parceria com a Universidade de Maryland para implementar o curso de graduação em Segurança Cibernética. Os futuros 'Guerreiros Cibernéticos' irão ocupar os 30 mil novos empregos que serão criados na área em Washington D.C.

A Casa Branca também divulgou em maio um plano de prevenção e resposta rápida contra crimes cibernéticos e terrorismo virtual. Obama criou um departamento específico para implementar estas medidas de segurança no setor público e aconselhar o setor privado. Além disso, o Pentágono anunciou que ações de hackers podem passar a ser considerados crimes de guerra até o final do ano.

Fonte: DefesaNet

Guerras da hegemonia bloqueiam lei internacional antiterrorismo

Felipe Schroeder FrankeO atentado das Torres Gêmeas apresentou o mundo do século XXI a um novo tipo de terrorismo, caracterizado tanto pelo seu alcance global como pelas motivações internacionais dos tantos grupos idealizadores de ataques nesta primeira década. Ocorre que os desafios lançados por esse neoterrorismo impelem a sociedade global a uma ação conjunta, que, paradoxalmente, encontra obstáculos nos vestígios e desenvolvimentos das hegemonias do passado. Ao mesmo tempo, as limitações da ação internacional contemporânea escancaram a parcialidade do conceito de "terrorismo", cujos efeitos, todavia, são sentidos de forma imparcial por povos em grandes partes do planeta.


O evento recente que melhor exemplifica o imbróglio jurídico provocado pelo novo terrorismo é a ação americana em Abbottabad, em 2 de maio de 2011, quando tropas especiais invadiram o Paquistão e mataram o terrorista Osama bin Laden em sua mansão. A tensão ficou claramente exposta: de um lado, o Paquistão sentiu sua soberania ignorada pela ação americana em território estrangeiro. De outro lado, os americanos julgaram-se no direito de agir para dar fim a um caso aberto quase 10 anos antes, cujo principal ator - internacionalmente reconhecido como um criminoso - se encontrava supostamente escondido sob as asas de um outro governo.

As duas interpretações básicas de Abbottabad indicam, respectivamente, os dois extremos vividos pela comunidade internacional sob a aura do novo terrorismo. Os defensores da ação americana, via de regra, concordam que os Estados Unidos possuíam o direito de invadir o Paquistão e, numa interpretação mais extrema, postulam que Osama bin Laden deveria mesmo ser assassinado por não ter respeitado os direitos do povo americano em 11 de setembro de 2001. Os críticos, por sua vez, defendem que o único modo de estabelecer uma paz universal neste contexto seria, conduzir o terrorista saudita a um tribunal internacional e, à luz da justiça, ser julgado pelos seus crimes.

A teoria subjacente à defesa da ação no Paquistão implica que o mundo é uma realidade brutal, na qual os únicos agentes da paz e da justiça são os próprios atores, isto é, os Estados. Já a teoria implícita nos críticos dos EUA de 2 de maio de 2011 é de que o mundo chegou a tal estágio que somente um acordo racional entre os atores permitiria o estabelecimento da paz. Em outras palavras: vivemos num mundo em que a força predomina e decide, ou num em que a racionalidade poderá se colocar acima dos interesses individuais e nos conduzir, mesmo que num futuro distante, a uma lei internacional justa aos diferentes povos?

Aporias de uma justiça internacional
"O direito internacional é diferente dos direitos nacionais. O direito nacional tem o poder de Estado que faz vigorar aquela lei. (Já) do ponto de vista do direito internacional, não tem nenhum Estado que faça vigorar aquela lei. Ela é produto de um acordo entre Estados. A rigor, o direito internacional se dá na boa intenção e no acordo das partes. A relação entre os Estados é uma relação de forças. O direito internacional vigora numa situação onde as regras são seguidas, em situações de normalidade internacional. Em situações excepcionais, você não segue regras", resume o professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Denis Rosenfield, um claro defensor favor da ação americana em Abbottad.

O presidente americano, Barack Obama, vem se degladeando com esses dois polos e tentando dar sinais de entendimento de que seu país, a maior potência do século XX, compreende e se adapta ao mundo multipolar egresso da Guerra Fria. No entanto, seu aval à ação em Abbottabad e, sobretudo, seu anúncio da morte de Bin Laden acenam para o quanto o peso da hegemonia americana herdada é um fardo a ser carregado por muito tempo. "A Justiça foi feita", exaltou Obama em discurso televisionado pelas redes americanas e repercutido na esmagadora maioria jornais do dia seguinte. Do ponto de vista individual, o povo americano provou estar seu presidente certo quando saiu às ruas na madrugada do 2 de maio para vociferar a queda do líder da Al-Qaeda. Mas do ponto de vista internacional, que é um lado imprescindível do arremedo do neoterrorismo, Obama talvez tenha ousado demais.

"O presidente estava falando de uma justiça americana que ele queria oferecer ao mundo inteiro. Nos Estados Unidos, muitos políticos fazem isso, eles sugerem que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o mundo inteiro e que o mundo deveria nos seguir. Eu acho que ele foi infeliz em usar o termo 'Justiça', porque o que isso significa, basicamente, é um modelo antigo de justiça, uma forma de vingança", reflete o professor David Altheide, de Pesquisa Social e Justiça da Universidade do Arizona. "Nós sabemos que a justiça nem sempre é o mesmo que lei internacional, ou que, como todas as leis, nós sabemos que algumas podem ser injustas", resume.

Atrás das palavras, as amarras da parcialidade do conceito
A Organização das Nações Unidas (ONU) coleciona, desde sua fundação na metade do século passado, uma série de tentativas de elaboração de leis internacionais que versem sobre o terrorismo, mas, até hoje, nenhuma lei efetiva foi encontrada. "Na reunião de cúpula sobre 'Democracia, Terrorismo e Segurança', realizada em Madri no mês de março de 2005, ficaram patentes as dificuldades da ONU para entender o caráter geral do terrorismo contemporâneo", avalia Héctor Ricardo Leis, professor de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina.

No documento, o então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, esboçou um conceito de terrorismo: "uma ação é terrorista quando pretende causar a morte ou sérios danos a civis ou não combatentes, com o propósito de intimidar a população ou compelir um governo ou uma organização internacional a fazer ou deixar de fazer tais atos". Vaga, a proposta de conceituação de Annan pode ser facilmente aceita em seu conteúdo, mas dificilmente ajuda na resolução de casos reais. "Esta definição de caráter excessivamente geral possui a vantagem de permitir um rápido enquadramento jurídico do ato terrorista, mas não avança na compreensão profunda do fenômeno em questão", avalia Leis.

O efetivo entendimento do terrorismo passa pela sua descrição concreta, alcançada por Annan, mas invade a zona das suas motivações e, sobretudo, das suas legitimidades, o que, é fácil entender, implicaria a inclusão daqueles estados que combatem o terror na complexa equação. Até agora, como mostram os resultados obtidos pela ONU, a sociedade internacional tem se mostrado incapaz de agir como um agente que fizesse valer uma lei entre as nações, e o resultado são Estados nacionais optando por, no vácuo jurídico, agir por conta própria e, no mais das vezes, gerando conflitos com outras nações.

Violência como consequencia do vácuo legal
"Na esfera nacional, os estados são livres para estabelecer seus marcos jurídicos; contudo, como o terrorismo contemporâneo possui características extraterritoriais, isto é, não são necessariamente praticados nos países nos quais os perpetradores possuem a cidadania, isto gera, um imbróglio jurídico, dificultando a questão", avalia Marcial Alécio Garcia Suarez, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF). "A dificuldade de se encontrar uma definição comum e universalmente válida, esbarra na capacidade dos Estados em possuírem interesses próprios, os quais em muitas situações não convergem, logo, para atores centrais no sistema internacional pode não ser interessante uma definição de direito internacional."

Angelo Corlett, professor de Filosofia da Universidade de San Diego, compartilha desta opinião: "o principal obstáculo para estabelecer uma lei internacional sobre o terrorismo são os países como os Estados Unidos que usem seu poder para influenciar exageradamente ou ignorar tentativas da lei internacional, e isso é uma das causas do terrorismo." Para ele, um ácido crítico do governo americano, uma lei internacional sobre terrorismo seria benéfica "contanto que incorpore a ideia de que governos envolvidos com o terrorismo também terão de responder a essas novas regras".

Na ausência de uma lei internacional, os Estados nacionais atuam no espaço internacional e nacional que lhes resta e se lhes apresenta. Um recorrente caso, além do envolvendo Estados Unidos e Islã, abarca a Rússia e os chechenos, os quais há décadas concentram movimentos de independência. A inconsistência da definição de terrorismo permite que tanto Moscou acuse os separatistas de terrorismo, como eles próprio acusem o Kremlin de praticar terrorismo contra a Chechênia. Ou seja: temos duas entidadades acusando-se mutuamente de terrorismo, acusando o fracasso operacional do conceito.

E, a nível nacional, diversos casos, como o francês, mostram como o governo decide adaptar leis para, no afã de minar qualquer chance de terror, invadir a privacidade dos cidadãos. Estados Unidos e Inglaterra, alvos dos atentados de 2001 e 2005, também editaram uma série de documentos (os Terrorism Acts e os Patriot Acts, como são chamados) para tentar dar conta internamente dos riscos do terrorismo. "Nestes documentos diversos direitos constitucionais são relativizados em função da defesa nacional, tendo como ponto tangente a ameaça terrorista", lembra Suarez.

A amplitude e a complexidade das variáveis envolvidas no neoterrorismo representam um dos maiores desafios possíveis à comunidade internacional almejada pela e na ONU após a Segunda Guerra Mundial. Enquanto a lei não chegar e não for escrita e respeitada por todos, o risco é que prevaleça o reino da força, afinal o terrorismo representa, como define Rosenfield, "um tipo de violência que só pode ser eliminado com atos de violência". Ou, como resume Corlett, "até haver um entendimento devido do terrorismo, será impossível formular boas leis internacionais".


Fonte: DefesaNet