domingo, 31 de julho de 2011

Especialistas reafirmam valor da participação civil em assuntos de Defesa


Por: José Romildo,

Quinta capital brasileira a sediar o Seminário do Livro Branco de Defesa Nacional, desta vez em edição internacional, o Rio de Janeiro abrigou especialistas de diferentes matizes teóricos, políticos e ideológicos para debater o tema da Defesa nacional com a participação da sociedade civil. O resultado foi a consolidação da ideia de que o esforço em envolver a sociedade é fundamental para os rumos da Defesa no Brasil.
"Reitero minha expectativa de que o livro constitua um marco de discussão sobre a estrutura de Defesa que o Brasil precisa ter para afinar seu ponto de vista pacífico e agregador", afirmou, na abertura do evento, o ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Segundo ele, as correntes políticas ainda estavam arredias com o regime militar à época da constituinte, e acabaram por não definir bem o papel das Forças Armadas. O Livro Branco faz parte do esforço de preencher essa lacuna. "A participação das lideranças civis vai assegurar que o Livro Branco deixe de ser uma platitude ou um conjunto de generalidades", afirmou.

De acordo com Jobim, a dinâmica dos interesses corporativos estabelecidos impede que as mudanças possam acontecer. Por isso, o envolvimento de novos atores civis é fundamental. "Os exemplos históricos dão conta de que, sem essa supervisão, as burocracias militares não serão capazes de se reformar, como de resto não são capazes de se reformar as burocracias civis".

Os palestrantes que se seguiram adotaram um tom parecido. Ekkehard Griep, representante do Ministério da Defesa alemão, saudou a iniciativa brasileira de iniciar a elaboração do Livro Branco. Ele afirmou que, na Alemanha, o Livro Branco existe, sobretudo, como instrumento de transparência. "A sociedade alemã usa o Livro Branco para saber como os recursos na área de Defesa são aplicados", disse.

Para o conselheiro de tecnologia da FIESP, Satoshi Yokota, a sociedade brasileira necessita "referendar e nortear sua política de defesa", o que só pode ser feito a partir de um Livro Branco.

Para o presidente da Eletronuclear, almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, o Livro Branco é uma oportunidade de unir civis e militares em torno de questões chave para o desenvolvimento do país. "Existe timidez nos militares e displicência na sociedade brasileira em admitir a necessidade de um esquema de defesa comparável à grandeza do País", asseverou.

No entender do almirante, o Livro Branco, publicação a ser enviada ao Congresso, não pode deixar de enfatizar o uso da energia e tecnologia como eixos de desenvolvimento da indústria de defesa nacional.

As novas perspectivas do Brasil no cenário mundial pautaram a fala do engenheiro Ozires Silva, personagem importante na criação da Embraer, empresa brasileira de aviação que desfruta de enorme prestígio internacional.

Segundo ele, o Brasil não pode confiar apenas na venda de "commodities" para alcançar o nível de potência mundial. "O Brasil deve seguir o caminho da Coreia, que investiu pesadamente em educação nos últimos 40 anos, ao mesmo tempo em que não descuidou da prioridade em inovação, ciência e tecnologia". Esses temas, afirmou, têm de vir à tona na confecção do Livro Branco.

O Seminário do Livro Branco é realizado com a cooperação da Fundação Trompowsky, instituição que atua no desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão. Durante o evento, o vice-presidente da Embraer, Orlando José Ferreira Neto, entregou uma maquete do KC 390, aeronave a ser desenvolvida nos próximos anos, ao brigadeiro Oswaldo Terra de Faria, que atuou como piloto brasileiro durante a 2ª. Guerra Mundial.

Penúltimo entre os seis eventos previstos para este ano, o seminário do Rio deu sequência aos encontros já realizados Campo Grande, Porto Alegre, Manaus e Recife. Eles foram idealizados para acolher sugestões e insumos destinados a compor um documento de política de defesa para o País, a ser disponibilizado de forma transparente para a sociedade já no próximo ano. O último seminário sobre o Livro Branco será realizado em São Paulo, nos dias 30 e 31 de agosto deste ano, focalizando o tema "Transformação da Defesa Nacional".

O Livro Branco deverá ter sua primeira edição apresentada pelo Poder Executivo ao Congresso até meados de 2012. Para cumprir a tarefa, o governo criou, por meio do Decreto nº 7.438/11, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI). A coordenação do GTI está a cargo do Ministério da Defesa.


Fonte: Assessoria de Comunicação Social - Ministério da Defesa, 28/07/2011

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Seminário Livro Branco no Rio de Janeiro


Tema: Transformação da Defesa Nacional.
"Estrutura, recursos e capacidades para enfrentar os desafios do século XXI".


Data: 27 e 28 de Julho
Cidade: Rio de Janeiro/RJ
Local: Auditório do Vivo Rio – Av. Infante Dom Henrique, 85. Parque do Flamengo.

Inscrições e informações.: http://livrobranco.defesa.gov.br

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"PREZADO,


1. AGRADECEMOS E CONFIRMAMOS A INSCRIÇÃO REALIZADA NO SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL (LBDN) A SER REALIZADO NA PRÓXIMA SEMANA, NAS SEGUINTES CONDIÇÕES:


- DIAS 27 E 28 DE JULHO
- CADASTRAMENTO PELO “SITE” DO LIVRO BRANCO: HTTP://livrobranco.defesa.gov.br
OU NO LOCAL INICIANDO ÀS 08:00 HRS.
- INICIO DO SEMINÁRIO ÀS 08:45 HORAS.


ENTRADA FRANCA


-LOCAL : VIVO RIO – Aterro do Flamengo, ao lado do Monumento aos Mortos – 2º GM


2. SOLICITAMOS A VSa VERIFICAR A POSSIBILIDADE DE REPASSAR ESSE EMAIL PARA SUA LISTA DE AMIGOS E CONHECIDOS INTERESSADOS NO TEMA DA DEFESA E SEGURANÇA DO BRASIL, CIÊNCIA E TECNOLOGIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS.


3. INFORMAMOS QUE SERÁ FORNECIDO UM DIPLOMA DE PARTICIPAÇÃO COM A RESPECTIVA CARGA HORÁRIA DO EVENTO, VISANDO POSSIVEL COMPROVAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E ENRIQUECIMENTO DE CURRÍCULO PESSOAL.


4. INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES SE ENCONTRAM NO “SITE” DO LIVRO BRANCO DE DEFESA : www.livrobranco.defesa.gov.br

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Noruega, Islã e a ameaça que nasce no Ocidente


Há alguns anos, T J Winter, respeitado professor de Cambridge, fez palestra fascinante dirigida a professores e alunos de ciências humanas da Universidade de Leicester, sob o título de “O Islã e a ameaça que nasce no Ocidente”. O título chamava a atenção para ameaça diferente do slogan repetido (então, como hoje) “o Islã e a ameaça que nasce no Oriente”. Evidentemente se saberá mais nos próximos dias, mas o que se sabe hoje é que o assassino é “norueguês, louro, de olhos azuis”, com “tendências políticas de direita e convicções antimuçulmanas”. -Ibrahim Hewitt - Al-Jazeera


Divulgar, antes de qualquer investigação e a partir de depoimentos de testemunhas traumatizadas que esse ato assassino foi “ato de um único louco” impede qualquer estudo mais detalhado das motivações do assassino.

Há alguns anos, T J Winter, respeitado professor de Cambridge, cujo nome muçulmano é Abdal Hakim Murad, fez palestra fascinante dirigida a professores e alunos de ciências humanas da Universidade de Leicester, sob o título de “O Islã e a ameaça que nasce no Ocidente”. Já o título chamava a atenção para ameaça diferente do slogan repetido (então, como hoje) “o Islã e a ameaça que nasce no Oriente”.

Foi nova abordagem que, em poucas palavras, ilustrou que, historicamente, sempre houve agressão maior da Europa contra o mundo muçulmano, que o contrário. Winter/Murad apresentou várias provas, de fontes impecavelmente dignas.

Voltei a pensar hoje nas palavras de Winter/Murad, quando lia as notícias sobre o terrível atentado a bomba e o tiroteio na Noruega, onde, evidentemente, as primeiras suspeitas foram de que os atentados tivesse algo a ver com “o terror islâmico”. Evidentemente se saberá mais nos próximos dias, mas o que se sabe hoje é que o assassino é “norueguês, louro, de olhos azuis”, com “tendências políticas de direita e convicções antimuçulmanas”.

Mas já se disse que as intenções do homem nada teriam a ver com esses “traços”, nem com seus postados em “páginas da internet com tendências cristãs fundamentalistas”: eventuais influências “terão de ser investigadas com cuidado”. Exatamente o que se ouviu quando do atentado de Oklahoma, em 1995.

Sem qualquer fundamentação e muito estranhamente, o criminoso já está descrito pela mesma autoridade norueguesa como “um louco”. É bastante possível que seja louco, mas esse ‘diagnóstico’ automático é um dos modos pelos quais as motivações de crimes de ódio podem ser apagadas da história, antes mesmo de chegarem a tomar forma na consiência das pessoas.

Fechar o livro
Em 1969, por exemplo, um judeu australiano que pôs fogo na mesquita Al-Aqsa em Jerusalém, também foi sumariamente absolvido como “um louco” e internado em hospital psiquiátrico. Fim da notícia. Os judeus da direita fundamentalista que haviam planejado destruir a mesquita, e o Domo da Rocha, ali perto, sobreviveram mais um dia.

Suspeito que acontecerá coisa semelhante ao terrorista norueguês; seus laços com a extrema direita e com cristãos fundamentalistas serão apagados, por irrelevantes. Os crimes, como leremos em todos os jornais, serão descritos como ato de “pessoa desequilibrada” que “agiu individualmente”. Ergo, a única ameaça que continua a pesar sobre a civilização é a “ameaça terrorista” “dos islâmicos”. Ergo, o foco de toda a legislação e de todos os esforços antiterror deve continuar apontado contra o mundo muçulmano e as comunidades muçulmanas na Europa e nos EUA.

Se não nos manifestarmos e permitirmos que isso aconteça, estaremos prestando grave desserviço ao mundo, no mínimo porque a nova direita cresce em todo o ocidente – e Oklahoma foi prova de que essa nova direita é capaz de imensa destruição.

Imigrantes neonazistas da Europa Oriental continuam como sempre muito ativos em Israel, onde o governo, ao mesmo tempo em que deplora pelos jornais essa atividade da extrema direita, está, de fato, a caminho, a passos largos, da mesma extrema direita. Há ministros que pregam a limpeza étnica dos palestinos, para purificar Israel como “estado judeu”; preciosos direitos humanos, pelos quais o mundo tanto lutou, são apagados em nome da “segurança do estado judeu”; criminosos uniformizados são literalmente absolvidos ‘preventivamente’ dos assassinatos que cometem repetidamente.

Tudo isso acontece com a aprovação de governos ocidentais os quais, eles mesmos, mostram também tendências direitistas – o duplifalar, sempre que se trata de ensinar tolerância e respeito às minorias. Se você tem aparência, por pouco que seja, ‘diferente’ na Europa hoje, sobretudo se você for muçulmano, você é olhado com suspeitas e é possível que seja obrigado à dura tarefa de “provar” sua lealdade a um estado que, se a verdade aparecesse às claras, já se teria livrado de você, se tivesse coragem para aprovar as leis necessárias para tanto. Em alguns casos, até já há a necessária legislação, mascarada sob alguma “legislação antiterror”, ou de “segurança nacional”.

Tudo isso, apoiado por uma imprensa influente e sempre de direita, que defende o que Israel faça, errado ou certo, legal ou ilegal – e por um lobby pró-Israel que age como se fosse intocável. Dado o contexto político no ocidente, é provável que seja.

Ataques contra a esquerda
É significativo que o alvo do terrorista norueguês (o “louco”) pareça ter sido o Partido Trabalhista, de esquerda, tanto em Oslo quanto na ilha onde houve o tiroteio. Em toda a Europa as esquerdas estão fazendo alianças com grupos muçulmanos para combater o fascismo e o racismo, onde apareçam. Evidentemente não é coincidência que ensaios publicados em 1997 em todo o continente, tenham concluído, praticamente sem exceção. que “o desafio” que a Europa enfrentaria seria a presença de grandes comunidades muçulmanas entre “nós”. Assim sendo, quem considere graves os “traços de direita”, as ideias “antimuçulmanas” e até as ligações com “o fundamentalismo cristão” do terrorista norueguês será visto como opinião irrelevante.

O contexto oculto aí é que a ideologia da extrema direita de modo algum estaria ou poderia estar empurrando o mundo na direção do terrorismo.

Essa ideia é absoluto nonsense. A ideologia de direita levou a Europa ao Holocausto de judeus europeus e ao antissemitismo e sempre esteve por trás de outros tipos de racismo em todo o mundo. A ideia da superioridade da Europa e dos Europeus – construída a partir da ideologia da direita, levou ao comércio e à escravidão de seres humanos e atrocidades inenarráveis contra “o Outro” também no Oriente Médio e no Extremo Oriente.

Ironicamente, é uma extrema direita sionista – não, de modo algum, os mitos socialistas dos pioneiros sionistas socialistas utópicos dos anos 30s e de antes – que estão, hoje, por trás da limpeza étnica na Palestina ocupada por Israel, adotada como específica política israelense, também por meios militares, se preciso.

Tudo isso está bem documentado, embora permaneça ignorado pelos chefes políticos contemporâneos.

No contexto do que tudo leva a crer que sejam atos terroristas de uma extrema direita norueguesa, é também irônico que a palavra em inglês para traidor que colabora com forças inimigas de ocupação [ing. quisling] seja derivada do nome do major Vidkun Quisling, que governou a Noruega em nome da Alemanha Nazista durante a 2ª Guerra Mundial.

Hoje, estamos decidindo que “o louco” norueguês “não tem ligações com nenhuma organização terrorista internacional”. É grave risco para todos nós. A história já mostrou que as ideologias de extrema direita são transnacionais e atravessam todo o ocidente. Os efeitos podem ser catastróficos em todo o planeta global. Já fomos avisados.

(*) Ibrahim Hewitt é editor-chefe de Middle East Monitor

Tradução: Coletivo Vila Vudu

Os donos do GPS


Cada um dos 32 satélites utilizados pelo GPS (Sistema de Posicionamento Global) custa cerca de R$ 100 milhões. Se as informações que eles passam não forem interpretadas corretamente, aviões podem cair, navios a caminho da Índia correm o risco de parar na América e, em vez de cavernas no Afeganistão, os mísseis americanos podem acertar o Vaticano. O responsável por operar máquina tão cara e evitar tragédias dessa magnitude pode ter pouco mais de duas décadas de vida. É o caso do aviador classe A do Segundo Esquadrão de Operações Espaciais da Força Aérea dos EUA Jareo Brumfield. Ele tem apenas 22 anos.

Jareo é um dos três operadores de sistema de satélite, fundamentais para a saúde do sistema que orienta nossos passos, voos e cruzeiros pela Terra. Ele controla satélites viajando a 14 mil km/h e repletos de peças que, a essa velocidade, seriam destroçadas caso fossem atingidas por uma meia de astronauta solta no espaço. “Toda informação que chega até os satélites passa por quem ocupa essa posição”, disse à ISTOÉ Marie Denson, segundo-tenente responsável pelas relações públicas na Base Aérea de Schriever, Colorado. É ali que fica o complexo de 16 km² onde é controlado todo o sistema.

Além de três profissionais como Brumfield, a sala de controle tem mais cinco cadeiras: uma é a do operador de rede, que cuida da comunicação entre a central e sistemas em terra; outra é a do analista de dados do sistema, responsável por checar e corrigir informações vindas do espaço; há ainda a do operador de veículos, profissional que entra em ação caso algum satélite saia da rota. Completam o time um chefe e um comandante. São três equipes que se alternam em turnos de oito horas.

Não é nada fácil ocupar uma dessas cadeiras. Os candidatos começam os testes 1,5 mil km distantes delas, na base aérea de Vanderberg, Califórnia. Durante seis semanas, recebem noções sobre GPS e como operá-lo. Os que passam por essa primeira peneira vão até Schriever. Dependendo do posto com o qual sonham, passam por treinamentos que duram entre 60 e 140 dias. E aí vira um funil. “Um teste final define os pouquíssimos aprovados”, afirma a segundo-tenente Marie.

Tanto critério na seleção se justifica. Esses profissionais têm nas mãos a responsabilidade de controlar os mais precisos relógios feitos por mãos humanas. Toda operação do GPS depende do sincronismo e da precisão absoluta dessa constelação de satélites bailando no espaço. Graças ao controle do horário, é possível aos operadores coordenar as máquinas para que, a todo tempo, seja possível “ver” quatro delas ao mesmo tempo em qualquer ponto da Terra (leia quadro abaixo). Um milésimo de segundo no espaço pode significar dezenas de milhares de quilômetros na superfície.

A escolha dos candidatos também passa por um processo que evita, por exemplo, a entrada de um sabotador. Mas a maior preocupação com segurança está longe do departamento de recursos humanos. Tudo no GPS é controlado por PCs, e computador é sinônimo de vulnerabilidade. As vacinas digitais mais poderosas do mundo têm dado conta desse recado, mas há outros perigos. Em um estudo publicado no começo deste ano, o professor Martyn Thomas, da Universidade de Oxford, mostrou que uma gambiarra numa antena poderia desordenar o serviço de GPS em todo o sul da Inglaterra, fechando aeroportos, interrompendo operações bancárias e, claro, levando motoristas para o lado errado. “A probabilidade de algo assim ocorrer é baixíssima. Parte dos satélites GPS hoje tem como funcionar independentemente do controle terrestre por até 180 dias”, pondera o professor-doutor João Francisco Galera Monico, do Grupo de Estudos em Geodésia Espacial da Unesp.

Na Base Aérea de Schriever são controlados dois tipos de GPS. Além desse cujos resultados aparecem em qualquer táxi, há um outro mais preciso, mas de uso restrito aos militares. Com ele, um destróier faz um míssil entrar numa chaminé há 2 mil km de distância. Essa versão mais completa não dá nem para comprar. Mas a primeira é de graça. E isso não significa falta de qualidade. Neste exato momento, há oito homens e mulheres empenhados em garantir isso.

Fonte: Isto É

domingo, 24 de julho de 2011

Brasil deve ter capacidade nuclear, diz estrategista


O Brasil deve desenvolver a capacidade de produzir armas nucleares, afirmou hoje o historiador militar Martin van Creveld, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, e autor de livros importantes como Comando na Guerra e A Transformação da Guerra.

Na segunda de uma série de palestras na Escola de Guerra Naval, no Rio de Janeiro, Van Creveld declarou que as armas nucleares tornaram a guerra convencional obsoleta e tem sido um fator decisivo para a paz internacional: “Até 1945, as Forças Armadas cresciam e as guerras eram cada vez maiores. Desde então, estão diminuindo”.

Van Creveld sabe que “o Brasil assinou vários tratados renunciando a armas atômicas mas é uma tolice não ter pelo menos a capacidade nuclear caso um dia seja necessária”. E acrescentou mais tarde: “A questão básica sobre armas nucleares é não usá-las”. Servem para dissuadir qualquer inimigo.

Ao abordar a transformação da guerra e os temas para a próxima guerra, Van Creveld disse que ia falar de mísseis, tanques e facas: “Quando digo tanques, estou me referindo a tanques, canhões, blindados, grandes sistemas de armas, armas e guerras convencionais. Estão desaparecendo, perdendo importância, em Israel e no resto do mundo. As Marinhas de guerra estão diminuindo. Nos EUA, em 1944, havia 4 milhões de marinheiros; hoje, são 500 mil.”

Ele lembrou que “nenhum país travou mais guerras desde 1945 do que Israel. As Forças Armadas de Israel atingiram o pico entre 1982-85, durante a invasão ao Líbano. Desde 1945, nenhum Exército de segunda classe enfrentou outro de segunda classe. Ou não há inimigo ou o inimigo é muito fraco. Você pode vencer inimigos fracos como a Sérvia, que tem a 63º exército do mundo. Mas não há mais grandes gueerras entre países importantes”. Na era nuclear, uma guerra total é suicídio.

“Qualquer país que tenha uma infra-estrutura razoável será capaz de fabricar mísseis e colocar neles uma carga nuclear, até mesmo o Paquistão, com uma renda per capita de pouco mais de US$ 300, ou a Coréia do Norte, onde o povo está passando fome”, afirmou o professor israelense.

Na sua opinião, “a proliferação nuclear é boa, maravilhosa. Pós fim a guerras grandes e perigosas, primeiro entre as grandes potências, depois entre seus aliados”.

“O primeiro-ministro paquistanês dizia que não há dois países que se odeiem tanto quanto a Índia e o Paquistão”, prosseguiu o historiador militar. “Travaram três guerras desde que se tornaram independentes do Império Britânico, em 1947. Depois que desenvolveram bombas atômicas, nos anos 70, não entraram mais em guerra”.

Israel lutou em média uma guerra a cada cinco anos, acrescentou Van Creveld. “Desde que fez a bomba, está há 33 anos sem guerras, com exceção da invasão do Líbano. Mesmo Stalin e Mão, que disse que não se preocuparia se 300 milhões de pessoas morressem, entraram numa guerra nuclear”.

VITÓRIA IMPOSSÍVEL
A razão: as armas nucleares cortaram o vínculo entre vitória e sobrevivência. “Desde 1945, fala-se em defesa antimísseis”, observa o professor. “Até agora, ninguém conseguiu. Ou o sistema não é suficientemente preciso ou precisa provocar uma grande explosão. Se você precisar de 5 megatons para colocar um míssil fora de sua rota, vão provocar uma explosão dessas sobre Nova Iorque?”

Se a Coréia do Norte testar um míssil de longo alcance, os EUA tentarão derrubá-lo. “Se fracassarem, será pior ainda”.

Quando se refere a facas, Van Creveld quer falar de armas rudimentares usadas por grupos irregulares, guerrilheiros, terroristas e criminosos. “Começou em 1941, quando a Alemanha invadiu a Iugoslávia, depois um intenso bombardeio aéreo. Em duas semanas de guerra terrestre, só morreram 200 alemães. Mas era só o começo. A queda da Iugoslávia não era o fim do conflito. No Iraque, 94% dos soldados americanos morreram depois que o presidente George W. Bush anunciou o fim dos grandes combates”, em 1º de maio de 2003. “Os EUA gastam US$ 100 bilhões por ano no Iraque, sem derrotar a insurgência”.

Seu veredito é duro: “Os exércitos convencionais são quase inúteis. Israel tem milhares de tanques. Na Faixa de Gaza, o poder aéreo é irrelevantes. Em quatro anos, na Segunda Guerra Mundial, morreram 800 mil iugoslavos. Os franceses mataram entre 200 e 800 mil na Argélia, perdendo apenas 3 mil soldados. Os soviéticos mataram centenas de milhares no Afeganistão”.

Conclusão: “Vivemos num mundo onde a guerra convencional está desaparecendo por causa de mísseis e armas atômicas. Mas não é o fim da guerra. As facas estão ganhando”.

Outro exemplo: “Nos últimos 40 anos, os EUA têm capacidade de destruir qualquer país em 70 minutos. Por esta razão, os tanques são obsoletos. Os EUA tionham 6,3 milhões de soldados em 1969, 1,8 milhão no final da Guerra Fria e 1,3 milhão hoje. Toda a modernização foi incapaz de lidar com as facas no Vietnã, no Líbano, na Somália e agora no Iraque.”

O problema dos exércitos convencionais é que “foram criados e treinados para enfrentar outros exércitos. São obsoletos. Precisam enfrentar as facas. Cada vez mais o Exército de Israel age como polícia nos terroritórios palestinos. Quando disse isso, um oficial ficou furioso. Mas é o que ele vem fazendo há décadas.

Foi um ministro da Defesa da Índia que explicou ao professor Van Creveld qual foi “a lição da Guerra do Golfo de 1991 foi: se quiser enfrentar os EUA, primeiro tenha armas nucleares”.

Depois da invasão do Iraque, aparentemente é o que estão fazendo o Irã e a Coréia do Norte, os outros países que Bush colocou no “eixo do mal” num famoso discurso no início de 2002, começando a preparar a opinião pública americana para a invasão do Iraque.

GUERRA SUICIDA
Para Van Creveld, as armas atômicas tornaram superada a máxima do grande estrategista alemão Karl von Clausewitz segundo a qual “a guerra é a continuação da política por outros meios”: “O suicídio não pode ser a base de nenhuma política e guerra nuclear é suicídio. As armas nucleares são uma espada de Dâmocles pairando sobre nossas cabeças e não há como aboli-las. Ninguém pode prever o resultado de uma guerra nuclear. O perigo de uma escalada força os países a se comportarem, uma garantia de que os tanques continuarão em declínio”.

Até hoje, só a África do Sul abriu mão de seus armas atômicas. O professor Van Creveld perguntou ao então presidente sul-africano, Frederick de Klerk, onde ele tinha colocado as peças. A resposta foi uma gargalhada. A capacidade nuclear não foi eliminada.

Quanto à crise gerada pelo programa nuclear do Irã, o professor israelense falou que “Bush é um homem muito perigoso. Se eu estivesse em Teerã, faria tudo para construir armas atômicas. Um Irã nuclearizado não será mais perigoso do que a índia, o Paquistão ou Israel. Os países nucleares são menos perigosos porque não têm medo de serem destruídos.”

Sobre o risco para Israel, observou que “o Irã é um país distante e temos capacidade de lançar um segundo ataque. Mas não temos condições de fazer o que fizemos no Iraque [onde Israel destruiu o reator de Osirak em 1981, destruindo o programa nuclear de Saddam Hussein]. É um país muito maior, com forças mais poderosas e as instalações nucleares estão dispersas e camufladas”.

De qualquer maneira, o ex-primeiro-ministro Shimon Peres mandou um recado ao presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad: “O Irã também pode ser destruído”.

“Durante 300 anos, as guerras foram travadas entre países”, notou o professor. “Os mísseis tornaram impossível a guerra entre países poderosos. Hoje temos guerras de agentes não-governamentais. Eles não pode ser aniquilados por bombas porque não têm territórios nem fronteiras. São inimigos que vivem na mesma cidade, no mesmo bairro. Não se pode bombardeá-los. Mas eles podem atacar até mesmo com uma faca de cozinha.”

Fonte: Vida Global

Presidente mudou perfil de Forças Armadas

Renata Miranda - O Estado de S.Paulo


Os partidários do presidente venezuelano, Hugo Chávez, negam os boatos de divisão dentro das Forças Armadas, afirmando que os militares sempre estiveram ao lado do líder bolivariano e apoiam o governo. De acordo com o analista Alfredo Ramos Jiménez, Chávez mudou o perfil do Exército depois de assumir a presidência, em 1999.

"Chávez transformou as Forças Armadas em um braço armado de seu partido político", disse Ramos Jiménez, autor do livro La revolución bolivariana: el pasado de una ilusión ("A revolução bolivariana: o passado de uma ilusão", em tradução livre).

Para Ramos Jiménez, recentemente, Chávez deu início a uma nova estratégia para fortalecer sua base de apoio entre os militares. Ele afirmou que as constantes visitas do presidente a academias de formação militar estariam destinadas a conquistar o apoio de jovens cadetes ao seu projeto de "socialismo do século 21".

"Chávez quer influenciar esses setores juvenis porque vê que está perdendo apoio", disse o analista. "No entanto, é difícil que ele consiga, porque são jovens que vivem mais de perto a situação de crise do país e, por isso, não se identificam com o governo do presidente."

Mudança. Chávez sempre teve entre seus aliados mais próximos integrantes das Forças Armadas - muitos deles participaram junto com ele da tentativa frustrada de golpe de 1992.

O historiador venezuelano Juan Romero, da Universidade de Zulia, explicou que, após o golpe de 2002 contra o governo, Chávez fez mudanças na estrutura de comando das Forças Armadas para tornar o grupo mais estável.

"Chávez era militar e, por isso, trabalhou para que seus companheiros das Forças Armadas se transformassem em uma extensão do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV)", disse Romero. "E essa estrutura armada tornou-se um ator político importante na Venezuela."

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A inteligência a serviço do comércio exterior


Na rica e intrigante história da espionagem, duas instituições viram sucumbir a seus desejos, fosse pela aversão ou pela descrença à atividade de inteligência: a Igreja, que a entendia como falta de ética, e a cavalaria medieval, dos nobres cavaleiros, que a entendiam como deslealdade.


Apesar de a atividade de inteligência contemplar três grandes gêneros - defesa, diplomacia e segurança -, o assunto algumas vezes não carrega em si a tão desejada densidade social, por não estar de forma presente no cotidiano e no imaginário das pessoas comuns, perpassando apenas por estudiosos da academia, como Antunes (2001), Cepik (2003) e Numeriano (2011); políticos, por intermédio da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional; militares dos centros de Inteligência da Marinha, Exército e Aeronáutica; operadores de segurança pública (polícias) e operadores de inteligência de Estado, função precípua da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).


Importante passo do governo Dilma dando início ao processo, ainda que incipiente, de desvencilhar a prática da atividade de inteligência de Estado, percebida até então como sinônimo de repressão, como ocorreu no período conhecido como "anos de chumbo", para assumir sua importância como mais uma ferramenta de defesa comercial, haja vista a criação do Grupo de Inteligência de Comércio Exterior (GI-CEX), também conhecida como inteligência antidumping, órgão que será vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e ao Ministério da Fazenda, por intermédio da Receita Federal do Brasil, instituído por portaria interministerial.


Malgrado a insistência de alguns em difundir a inexistência de um Sistema Brasileiro de Inteligência e o proselitismo de que o melhor da inteligência está nas Forças Armadas, soa cabotinismo e menos democrático, pois, querendo ou não, a inteligência de Estado pertence ao mundo civil.


A visão sistêmica promovida pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, mostrou-se exitosa, e vejam que, para o combate ininterrupto das importações ilegais e desleais, o GI-CEX poderá convocar o Departamento de Polícia Federal, o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), o Ministério da Agricultura e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outros.


É o Brasil, vencendo o preconceito e caminhando a passos firmes, com ordem e progresso.

terça-feira, 19 de julho de 2011

...E a ascensão do império brasileiro

O Brasil corre o risco de entrar para o seleto grupo dos países considerados “imperialistas. Grupos acadêmicos, empresariais e políticos da América Latina têm discutido como deve ser o relacionamento com essa nova potência “conquistadora”. A questão, que para muitos brasileiros passa despercebida, pode ser confirmada, por exemplo, no YouTube (“Brasil y América Latina: ¿hegemonía o integración?”). Quem quiser se aprofundar ainda pode achar na internet vasta quantidade de artigos científicos e reportagens que abordam o tema em países de língua hispânica e inglesa desde os anos 1960.

Por mais que a classificação incomode os brasileiros e seja rejeitada pelo Ministério de Relações Exteriores, essa é a maneira como diversos povos começam a ver o Brasil, cada vez com mais ênfase. Parte dessa conceituação, de acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, ganhou força nas últimas três décadas, com a ampliação das atividades de companhias brasileiras pelas Américas. Soma-se a isso, além do crescimento da nossa economia, a presença internacional que o Itamaraty conquistou no mesmo período.

O cientista político argentino Fabián Calle, que assessorou funcionários do primeiro escalão em seu país, considera que o governo brasileiro tem se preocupado em manter uma relação positiva com os parceiros na região. “Esse entendimento não tem sido assimilado por associações empresariais, legisladores, gestores de nível intermedíario e inferior da administração pública e formadores de opinião do Brasil, o que tem provocado situações de desgaste desnecessário com outros países”, lamentou Calle, que é também professor da Universidade Católica Argentina. Segundo ele, “os brasileiros têm de começar a se comportar como líderes e entender que há momentos de ganhar e de perder. Não se trata de ser meramente condescendentes, mas de deixar de brigar por coisas pequenas”.

Nesse sentido, comentou que o recente aumento na tarifa paga por Brasília aos paraguaios pelo excedente da energia elétrica gerada por Itaipu foi acertado. Para ele, é um gasto que não prejudica o Brasil e, ao mesmo tempo, contribui para mostrar que o país de fato busca uma liderança harmônica. “O problema é que muitos brasileiros ainda não entendem essa lógica”, pondera.

Simpatia

Por outro lado, nesse cenário de destacado desenvolvimento e voz marcante em fóruns internacionais, muitos brasileiros se dirigem a outros países para trabalhar ou simplesmente fazer turismo. E são esses os momentos em que a simpática imagem brazuca, sem querer, também fica em risco. Essas pessoas, tranformadas em “embaixadores informais”, cometem supostas gafes ou até equívocos capazes de fazer com que sejam vistas como os colonizadores de outros tempos.

Há poucos dias, por exemplo, a imprensa internacional deu destaque a uma atitude que brasileiros receberiam como totalmente inocente, mas que para outros soou arrogante. Diversos meios publicaram que, enquanto times de países que disputam a Copa América se enfrentavam, alguns jogadores da nossa seleção, em vez de assistir aos confrontos, preferiam tuitar sobre uma telenovela brasileira transmitida pela tevê por assinatura argentina.

“ maioria das pessoas apostaria que jogadores preferem mil vezes ver uma partida de futebol a uma telenovela, mas com os integrantes do time ‘verde e amarelo’ nos equivocamos”, escreveu um jornal peruano. Na versão eletrônica dessa publicação, vários leitores afirmaram que a atitude era mais um indicativo de um sentimento de superioridade dos brasileiros, que se comportam como se acreditassem que são “invencíveis” e por tanto não precisassem estudar os possíveis adversários.

O professor Alcides Vaz, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), considera que, quando está no exterior, todo brasileiro é “um portador de ideias e da construção da imagem do país lá fora”. Já a historiadora Albene Menezes, também da UnB, fez uma leitura do caso e considerou, de forma genérica, que o brasileiro “não é arrogante”: “O que ele faz fora do país, às vezes, é demostrar a sua ignorância sobre a relação com outros povos”.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

CDCiber - General José Carlos dos Santos: “Podemos recrutar hackers”


O livro Cyber War, de Richard A. Clarke, sobre a mesa do escritório dá a pista das funções exercidas pelo general José Carlos dos Santos, no Quartel-General do Exército, em Brasília. Santos é o comandante do Centro de Defesa Cibernética do Exército (CD Ciber). Criado no ano passado, o centro se propõe a ser um núcleo de defesa e ataque para conflitos pela internet. A guerra travada por vírus e hackers, em vez de armas físicas, é uma realidade. No mês passado, sites do governo sofreram ataques por hackers. A maioria dos países desenvolvidos teve problemas assim e criou divisões militares para atuar no meio digital. “No espaço cibernético a fronteira não existe”, afirma Santos. “O inimigo é difícil de identificar.”

QUEM É
Paulista, 58 anos, casado, dois filhos, torcedor do Santos
O QUE FAZ
General de divisão (três estrelas), é o comandante do Centro de Defesa Cibernética do Exército (CDCiber), em Brasília
O QUE FEZ
Oficial de comunicações, é especialista em gestão de tecnologia da informação e estratégia da informação. Foi adido militar na Itália

ÉPOCA – A defesa cibernética será um novo campo nas Forças Armadas?
José Carlos dos Santos – É uma nova governança. Eu diria que diversos países estão na mesma situação. Os Estados Unidos criaram seu comando cibernético em 2009. A Alemanha ativou seu centro de defesa cibernética neste ano, a Inglaterra no ano passado. O Brasil criou o Centro de Defesa Cibernética em agosto do ano passado.

ÉPOCA – Quantas pessoas trabalham hoje no Centro de Defesa Cibernética?
Santos – O centro tem hoje 20 militares. Até o fim do ano, esperamos ter 30 e poucos. Pretendemos montar uma Sala de Consciência Situacional, semelhante às salas de controle que existem nas grandes operadoras de telefonia. Com esse centro, eu teria especialistas em análise de dados. Eu poderia ter uma ferramenta automatizada de coleta de informações na rede. Nada ilegal. A informação está disponível na rede, no Twitter, no Facebook. Você tem uma captura de tendências. Vamos supor que haja um movimento como o que ocorreu no Egito. Você passa a ter instrumentos para detectar isso antes que aconteça. Pelo menos podemos informar os chefes: “Olha, está acontecendo uma tentativa de organização de uma passeata em tal local, pelo Twitter”. Você informa. A decisão se a passeata vai ser acompanhada, se alguns dirigentes vão ser contatados, é uma decisão política. A parte técnica, de levantar o dado, seria nossa. Nesse centro, teríamos algumas ferramentas desse tipo.

ÉPOCA – O centro monitora ou pretende monitorar redes sociais?
Santos – Fazer isso com analistas sem ter uma ferramenta automática de pesquisas não é possível. Imagine a quantidade de informações que circulam nessas redes sociais. Temos sido contatados por empresas que oferecem esse tipo de serviço. O mercado nacional tem várias dessas empresas especializadas em análise de redes sociais. Essas empresas oferecem monitoramento de redes sociais no sentido de perceber tendências ou movimentos que sejam de interesse da defesa.

ÉPOCA – Não há risco de violação de privacidade?
Santos – Você trabalha com estatísticas. Você customiza o filtro para verificar a incidência de determinadas palavras. Há certos instrumentos disponíveis para determinar tendências, movimentos, mas sempre numa base estatística. Um instrumento desses pode ser útil, não só para a defesa, mas também para empresas comerciais. O Neymar (atacante do Santos), por exemplo, foi contratado para fazer comerciais. Isso, provavelmente, é decorrência da leitura do que circula nas redes sociais. Com um instrumento desses, uma empresa descobre que o penteado do Neymar, entre a garotada, está causando sensação no Twitter.

ÉPOCA – Quanto custa montar um centro como esse?
Santos – Já estamos recebendo recursos financeiros para implementar esse centro. Hoje, com funcionalidades mínimas, é estimado em R$ 1,5 milhão. Já contatamos várias empresas para fazer a arquitetura desse centro. Acredito que ele estará operando até o final do ano, início do ano que vem. No ano passado, foram investidos R$ 10 milhões para algumas ações, como a criação de um laboratório de formação de especialistas. Nesse laboratório você vai poder simular, identificar ataques. O laboratório está quase pronto.

ÉPOCA – O trabalho do Exército é defender ou atacar também?
Santos – Uma empresa americana, a Ofensive Security, veio com sua equipe ministrar cursos de segurança ofensiva. Está coerente com aquilo que imaginamos que seja nosso modo de operar. Numa situação de ataque, se você tiver condições de identificar um atacante que está na rede, seria lícito neutralizar esse ataque.

ÉPOCA – O centro vai trabalhar apenas com militares ou poderá contratar civis?
Santos – Essa era digital é um contexto novo. Na Cúpula de Defesa Cibernética e Segurança, em Washington, no mês passado, um palestrante americano disse que eles não tinham nenhuma restrição para contratar “rapazes de trancinhas, brinco, piercing”, desde que fossem especialistas. É uma política que estamos discutindo. Podemos, sim, contratar civis. Está dentro de nossas previsões a contratação de especialistas em regime de prestação de serviços. Basicamente estamos cuidando da formação do nosso pessoal. A partir de 2012, a matéria tecnologia para informação e comunicação se tornará obrigatória para todos os nossos futuros oficiais. Nas escolas de formação dos nossos sargentos, o assunto também será introduzido.

ÉPOCA – Entre esses especialistas, o Exército pode contratar hackers?
Santos – É uma possibilidade contratar. Li declarações de representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia dizendo que temos de fazer com que os hackers trabalhem para o bem, sejam usados para o lado bom da força. Acho que isso é possível. Temos formas de recrutar, mostrando o trabalho, dando a perspectiva de uma carreira desafiadora, interessante. A imprensa diz que os Estados Unidos já fazem isso. Eles teriam até um grupo de hackers que trabalharia em prol do governo americano. Eles não se identificam como tal, mas trabalham.


“São registrados milhares de incidentes na rede do exército por dia. Um porcentual é de tentativas de invasão”



ÉPOCA – A lógica militar pressupõe a luta contra um inimigo visível. Como é lutar contra um inimigo invisível?
Santos – Terá de haver uma mudança no mundo todo. No conflito convencional, as fronteiras estão bem definidas. No espaço cibernético, essa fronteira não existe, uma vez que a arquitetura da internet é livre. Os dados fluem de forma natural, sem muitos controles, de modo que o dado trafega pelo canal mais livre. O inimigo é difícil de identificar. Um dos aspectos dessas associações de hackers é a defesa dessa arquitetura livre da internet. Eles defendem que instituições governamentais não devem se meter a controlar esse tráfego. Que a internet deve continuar como espaço livre de circulação de ideias. Os exemplos recentes são as insurreições no Egito e na Líbia, que ocorreram por meio do espaço cibernético. Essas associações, como Anonymous, LulzSec, advogam que a internet tem de ser um espaço livre, não um espaço controlado e policiado. Essas ações contra sites do governo, instituições militares, são justamente uma tentativa de mostrar a oposição deles à ideia de controle.

ÉPOCA – Os ataques a sites do governo ocorridos no mês passado foram graves?
Santos – Graves, não. Nenhum serviço essencial foi paralisado. Não foi atingido nenhum serviço como distribuição de energia, controle de espaço aéreo, do sistema bancário. Mas imagine uma ação dessas de negação de serviço (quando o serviço na internet fica indisponível ao cidadão) na semana de entrega da declaração de Imposto de Renda? A Receita Federal teria de prorrogar prazo e haveria prejuízos. Como não tipificar ações nesse sentido? Alguém tem de ser responsabilizado. Tem de mudar essa mentalidade. Ações erradas têm de ser punidas. Agora, no campo cibernético isso é difícil. Hoje você pode adquirir dez chips de operadoras (de telefonia) diferentes, mas tem de vinculá-los a seu CPF. A mesma forma poderia ser feita em relação aos usuários da internet. Hoje os provedores de internet têm condições de determinar que cidadão mandou qual mensagem. Mas e os cibercafés, as salas de internet? O cidadão pode introduzir um vírus. Como você vai identificar?

ÉPOCA – Há um projeto no Congresso para regular alguns procedimentos na internet. Ele é necessário?
Santos – A invasão de uma página, a pichação de uma página, a negação de um serviço, não há tipificação para esse tipo de ação. É a grande dificuldade. A partir do momento em que temos ações que prejudicam o cidadão, deve haver uma regulamentação. A partir do momento em que uma ação de grupos ou de pessoas passa a trazer prejuízos reais à sociedade ou a outras pessoas, tem de haver uma ordenação. É possível fazer isso com liberdade, velocidade. Vejo esses movimentos de hackers como uma reação de quem acha que uma regulamentação excessiva pode tirar a liberdade. Imagine se houvesse total controle no Egito? Será que aquela revolução teria acontecido se houvesse um controle das pessoas? Haveria essa liberdade? Eles têm alguma razão nesse aspecto, realmente tiraria a liberdade dos internautas. Mas, por outro lado, tem de ter algum instrumento de controle. O assunto realmente é complexo.

ÉPOCA –Há hackers tentando invadir o sistema do Exército?
Santos – Sim. São registrados milhares de incidentes de rede por dia. Logicamente um porcentual desses incidentes é de tentativas de intrusão em serviços internos do Exército. Recentemente, tivemos no Recife uma intrusão num serviço social, de distribuição de água. Um grupo, o FatalErrorCrew, conseguiu acessar um banco de dados dessa operação. Foi dado crítico? Bom, crítico, não. Mas mostrou uma vulnerabilidade. Eram dados de militares vinculados àquela operação. Está sendo feita uma auditoria interna para ver como evitar uma intrusão desse tipo, mesmo deixando o sistema disponível ao público.

ÉPOCA –Quais são as normas de segurança de informação do Exército?
Santos – Existe uma série de instruções reguladoras. Os especialistas apontam o homem como o elo mais fraco. Não adianta ter um sistema altamente sofisticado de monitoramento, um firewall de última geração, uma segurança lógica excelente, sem conscientizar o homem. Aqui, todo o acesso à rede é controlado. Temos a política de que não se deve usar o pen drive, arquivo pessoal na rede.

ÉPOCA –O senhor acha que, no futuro, teremos uma guerra na internet? Ou a internet será apenas mais um terreno de batalha numa guerra convencional?
Santos – Os principais autores e autoridades apontam para essa possibilidade. Richard Clarke (autor do livro Cyber war) cita exemplos de ações cibernéticas equivalentes a atos de guerra. O mais conhecido mundialmente é o desenvolvimento do Stuxnet. Foi um vírus desenvolvido com a finalidade específica de danificar uma determinada centrífuga para produção de energia nuclear. Especula-se que algum agente ou funcionário da usina introduziu, por meio de um pen drive, aquele programa malicioso, que atuou especificamente no sistema e fez com que as centrífugas fossem inutilizadas. Era um vírus muito bem elaborado. Ao mesmo tempo que mandava a máquina aumentar sua rotação, ele mandava parâmetros de normalidade para os controladores humanos. Quando se percebeu, as centrífugas já estavam inutilizadas.

ÉPOCA –Na guerra convencional, a lógica é que quem tem mais armamentos seja mais poderoso. No campo cibernético, equipamento é necessário, mas a inteligência prevalece. A guerra cibernética pode nivelar os países?
Santos – No jargão militar, chamamos isso de assimetria. No setor cibernético, quem tem pouco poder econômico pode ter uma ação contundente contra uma potência. Circula na imprensa especializada que a Coreia do Norte tem um exército cibernético de cerca de 3 mil homens. Puxa, quando estiver pronto o meu centro, vai ter cerca de 100 militares... Logicamente, será o núcleo. Existem outros setores, mas mesmo assim nós não atingiríamos 3 mil homens. E a Coreia do Norte, por incrível que pareça, é menos vulnerável, porque tem poucas redes. Como atacar uma rede que não existe?

O que os vizinhos pensam do Brasil

Sergio Fausto
DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP


O protagonismo do Brasil na América do Sul não é uma questão de escolha. Tornou-se um dado da realidade, com o declínio relativo da Argentina e a perda de influência dos Estados Unidos na região. Deve até aumentar no futuro previsível, dadas as tendências expansionistas da economia brasileira. A questão é saber se esse protagonismo se traduzirá em liderança e se ela será positiva para a região em seu conjunto.

Em síntese, essa foi a visão da maioria dos líderes políticos sul-americanos presentes em mesa-redonda organizada recentemente pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) para discutir o papel do Brasil na América do Sul. Participaram da discussão o ex-presidente da Bolívia Carlos Mesa, o senador chileno e ex-chanceler Ignacio Walker, a senadora uruguaia Constanza Moreira, o ex-ministro da Justiça do Peru Fausto Alvarado, além de vários brasileiros, como os embaixadores Sergio Amaral e José Botafogo Gonçalves e o ex-chanceler Celso Lafer. Uma amostra representativa da centro-esquerda democrática sul-americana.

Apesar de uma percepção em geral positiva sobre o Brasil, detectam-se incerteza e mesmo inquietude em relação ao "gigante sul-americano".

Existe receio de que a expansão das exportações e dos investimentos brasileiros em outros países da América do Sul prejudique a capacidade de produção e geração de empregos de suas economias. E que isso leve mais água para o moinho de governos, partidos e/ou movimentos adeptos de um nacionalismo retrógrado com inclinações populistas e autoritárias. Em países menores, sobretudo naqueles onde há ressentimento histórico em relação ao Brasil, como a Bolívia e o Paraguai, é bem vivo o temor de que o extravasamento da economia brasileira acabe por levá-los a uma situação de subordinação política ao colossal vizinho. Mesmo no Uruguai, o mais desenvolvido dos pequenos países fronteiriços, observa-se um incipiente nacionalismo antibrasileiro, em reação à compra de terras em quantidade crescente por empresas brasileiras naquele país.

Algumas características do investimento brasileiro na região reforçam o sentimento descrito. O fato de grandes companhias brasileiras receberem apoio do BNDES para a aquisição de empresas locais acentua a percepção de que nosso país conta com um poder excessivo, derivado não apenas do porte e da eficiência de seus maiores grupos empresariais, mas também da estreita associação entre eles e o Estado brasileiro. A propósito, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, o presidente da União Industrial Argentina afirmou, com exagero característico: "Só quando tivermos um BNDES poderemos abaixar a guarda".

A reação à crescente presença brasileira na América do Sul poderia ser atenuada se fossem os investimentos feitos em parceria com grupos locais, mas as joint ventures são raras, predominando o controle do investidor brasileiro sobre o negócio. São raros também os fornecedores locais que se beneficiam dos empréstimos concedidos pelo BNDES a governos vizinhos, em financiamentos vinculados ao pagamento de obras e serviços realizados pelas grandes empreiteiras brasileiras nos países da região.

Em suma, à constatação de assimetria na relação com o Brasil soma-se o sentimento de que se está diante de uma competição desleal contra um poder cujo funcionamento parece opaco. De fato, não há nada similar na região à aliança entre grandes grupos empresariais privados, fundos de pensão públicos, empresas estatais e banco de desenvolvimento. Com frequência o investimento e o crédito chineses surgem como alternativas bem-vistas diante do temor de se tornar muito dependente do Brasil, apesar de as relações entre Estado e empresas serem na China muito mais opacas do que aqui.
Além de pouco transparente, o Brasil é visto como "soberanista", isto é, relutante em ceder parcelas de sua autonomia decisória em benefício do fortalecimento de instituições de governança coletiva da região. Desse "soberanismo" faria parte a resistência a pagar o custo financeiro, em favor da integração, correspondente ao tamanho de sua economia, como a Alemanha na Europa.

O Brasil é também considerado ambivalente quanto à importância que sua política externa atribui à região. Embora a centralidade da América do Sul esteja claramente definida no discurso, resta muita dúvida sobre se o Brasil de fato considera que o fortalecimento de sua liderança regional é mesmo necessário à realização de suas ambições como global player. Critica-se o governo brasileiro por supostamente não consultar os governos sul-americanos antes de tomar iniciativas no plano internacional, ao mesmo tempo que invoca a sua condição de líder regional quando lhe interessa fazê-lo nas negociações internacionais.

É nítido o contraste entre a percepção de que o Brasil é autocentrado e até certo ponto voraz em relação aos vizinhos e a opinião que no geral se tem aqui dentro a respeito da atitude do governo brasileiro em relação à região, normalmente percebida como muito generosa com as demandas de alguns países e tolerante com eventuais desmandos contra empresas brasileiras que operam na vizinhança.

Para o Brasil, não se trata, é claro, de moldar o figurino de sua política externa sul-americana à opinião média de seus vizinhos, que, aliás, varia de país a país. Trata-se, isso sim, de constatar que nos faz falta - na sociedade e no governo - um pensamento sobre a América do Sul que leve na devida conta a percepção dos outros países da região a nosso respeito, sem perder de vista os interesses brasileiros. Precisamos de uma visão abrangente e de longo prazo, que não se deixe levar por simpatias ideológicas episódicas nem por ilusões de que o peso econômico do Brasil se traduzirá automaticamente em maior liderança política. À medida que cresça a nossa presença na região, essa visão será cada vez mais indispensável.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

As três mortes de Osama Bin Laden

Quando, finalmente, os Estados Unidos anunciaram, em 2 de maio de 2011, a morte física de Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda já era um cadáver político. Sua terceira, e definitiva morte em Abottbad, seguia-se a sua morte estratégica no Iraque e a sua morte política nas ruas do Cairo, Tunis e Bengazi.
Francisco Carlos Teixeira




A mídia internacional, não sem razão, deu amplíssimo destaque ao ataque pontual, preciso e letal de um comando militar americano ao esconderijo-fortaleza de Osama Bin Laden. De forma aparentemente insuspeita o líder da Al-Qaeda ocultava-se não muito longe de capital do Paquistão, numa área de segurança militar e com acesso direto – conforme a análise dos celulares capturados no local – ao notório ISI (Inter Service Inteligence), o serviço de informações e inteligência paquistanês – órgão pretensamente aliado aos Estados Unidos. Passado algum tempo de sua morte podemos, agora, fazer um balanço sobre o impacto do jihadismo militante e terrorista da Al-Qaeda sobre o mundo muçulmano e sobre as estratégias políticas mundiais.

A Al-Qaeda como eixo da política mundial
Desde os cruéis ataques de 11 de setembro de 2001 o governo dos Estados Unidos – com George W. Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Robert Bolton e outros representantes do chamado “neoconservadorismo” – adotou a tese de que a maior ameaça global (bem à frente das demais “Novas Ameaças” inerentes ao globalismo) era o terrorismo jihadista (derivação da palavra Jihad, guerra santa dos muçulmanos, mas também chamado de terrorismo islâmico ou fundamentalista ou ainda mujahidin - da expressão árabe “guerreiro santo”). Neste caminho, já em 14 de setembro de 2001, na sua primeira fala pós-impacto, Bush declarou uma “cruzada” contra o terrorismo. Em face da gafe – afinal as cruzadas foram terríveis e não provacados ataques do mundo cristão contra um Islã, em seu conjunto, então complacente e tolerante. Como uma corrigenda, a Casa Branca renomeou sua estratégia como “Guerra global contra o terrorismo internacional”. Para a consecução de seus objetivos a Administração Bush buscou todos os meios da grande potência americana: ações encobertas das tropas especiais; tribunais secretos; seqüestros internacionais; tortura (aberta e direta em Abu Graib, no Iraque, e sutil e humilhante em Guantánamo, Cuba); controle de viagens internacionais; listas de simpatizantes e de “neutros” perigosos; construção de uma incrível rede de segurança centrada no novo departamento de segurança doméstica (o “Home Security”) e, acima de tudo, e em primeiro lugar, a represália bélica em larga escala. Foi assim que Bush desencadeou, em 2001, a guerra contra o Afeganistão e, em 2003, a Guerra no Iraque. Por pouco, muito pouco mesmo, não completou sua obra com um ataque ao Irã.

Na ocasião valia, para as relações internacionais, a máxima de amigo incondicional dos Estados Unidos – ou seja, seguidor da política de Bush - ou inimigo dos americanos. Todos os motivos – e qualquer boa mentira –, desde a destruição de supostos estoques de armas de destruição em massa até a imposição de políticas de democratização forçada de ditaduras do Oriente Médio, serviam para tornar o “mundo um lugar mais seguro”.

Tudo isso deveria garantir a segurança dos Estados Unidos.

Ao longo da Administração Bush, no entanto, os ataques terroristas, de tipo jihadista, aumentaram em número e em ousadia. Madrid, Londres, Marrakesh, Bali, Mumbai e Karachi e outras grandes cidades foram atingidas. Dezenas de pessoas foram seqüestradas e mortas. No Iraque – onde temos alguns dados, mesmo que incertos – um número superior a 100 mil e inferior a 900 mil pessoas foram mortas e cerca de três milhões fugiram do país. Enquanto isso os Estados Unidos e seus aliados perderam no país 4.787 militares e tiveram 11.191 homens gravemente feridos, muitos a maioria de forma incapacitante. Algumas fontes autônomas julgam que em verdade o número de mortos nunca será exatamente conhecido.

Fontes dos serviços de saúde iraquiana falam em outras 1.690.903 pessoas seriamente feridas (alguns com seqüelas permanentes devido aos armamentos usados pelos terroristas ou mísseis norte-americanos). No Afeganistão, desde 2001 – mesmo com a derrocada do regime dos talibãs, que davam cobertura a Al-Qaeda – constituiu-se um regime corrupto, inseguro e liberticida e, além de tudo, incapaz de controlar sequer 30 quilômetros em torno de Cabul, a capital. Neste país 2.564 militares da coalizão ocidental foram mortos em combates contra os talibãs e a Al-Qaeda ( até julho de 2011 ), enquanto as operações militares dos Estados Unidos e da OTAN mataram 19.629 afegãos e feriram outros 48.644. Durante todo esse banho de sangue os Estados Unidos, que estiveram por vezes próximo de capturar (ou matar) Bin Laden, falharam em seu compromisso. A maior parte dos fracassos americanos deveram-se a uso de tropas locais afegãs, a intromissão da inteligência paquistanesa e, depois de 2003, na divisão de meios entre o teatro de operações do Afeganistão e do Iraque.

A Al-Qaeda, duramente atingida em 2001/2 pode, então, reestruturar-se e criar franquias – a famosa “nebulosa Al-Qaeda – expandindo-se para o Iraque, o norte da África, o Sudão, o Sahel ( Niger, Mali e Tchad ) e no Sudeste Asiático. Por um momento, entre 2007 e 2009, parecia que o terrorismo mujahidin estava em avanço.

Como afirmou Thomas Ricks, correspondente americano no Pentágono, as guerras de Bush foram um “fiasco”.

Terrorismo e Guerra
O terrorismo, em sua acepção mais lata, enquanto uma ação violenta contra a população civil visando obrigar um governo a fazer ou deixar de fazer algo (implementação de políticas) é um ato vil e covarde. Pouco importa o que o Estado norte-americano faz no mundo, ou a forma com a qual a Índia ocupa a Caxemira, ou Israel ocupa a Palestina, explodir civis em locais públicos é injustificável ( atenção leitor: por favor, não pare de ler aqui... continue! ). Muitas vezes, dada a desproporcionalidade de forças e/ou a crueldade da força superior ou potência dominante, a ação terrorista ganha foros de heroísmo. Com muito clareza, Karl Marx, na sua pouca conhecida correspondência com revolucionária russa Vera Zasulich (1849-1919) comentando a prática terrorista dos anarquistas russos, sob a terrível ditadura do czar, condenou a ação terrorista como nefasta, inútil e cruel. Algumas entidades terroristas, visando à libertação nacional (mesmo que, sob vários aspectos, de forma muito discutível) como o ETA e o IRA assumiram o terrorismo como forma dominante de ação. Nestes casos, entretanto, não houve atentados em massa, contra alvos civis desprotegidos. Estas entidades determinavam alvos que deveriam, em tese, representar o “Estado” inimigo, tais como soldados, policiais, juízes e políticos.

Mesmo nestas condições as populações a serem “libertadas” não aceitaram de forma inequívoca a forma escolhida de luta – no mundo real as pessoas são gente como a gente, para além de suas funções, como o caso do jovem soldado Gilad Shalit. Em especial, a existência de um estado de direito – como na Espanha pós-Franco, ou na Alemanha Federal ao tempo do grupo Baader-Meinhof – desautorizava as ações terroristas. Em outro extremo, casos de levantes populares maciços – como as “Intifadas” palestinas ou os levantes nacionalistas na Índia à época de Gandhi – foram denominados abusivamente de terroristas. O poder dominante nestas condições – britânicos ou Israel – usou de força desproporcional, abusiva e de forma cruel, caracterizando terrorismo de Estado.

Em outras situações o Estado, não só superior por natureza – o detentor do monopólio da violência – e por relação em face dos movimentos sociais, agiu de forma a produzir o medo maciço na população civil, visando desmobilizar os protestos populares. Em várias destas ocasiões como em Amritsar (Índia), 1919, pelos britânicos; em Soweto (África do Sul) em 1976, ou Gaza em 2008 ou nas cidades sírias desde o inicio de 2011 estamos diante de uma atuação terrorista por parte do estado constituído, que falta e agride a norma da “Responsabilidade de Proteger” como definida pela ONU (ver Resolução 1973, de 2011).

Assim, vemos que a questão do(s) terrorismo(s) é complexa e abarca um amplo leque de ações e responsabilidades. Mas, no conjunto das análises existentes há um consenso de especialistas de que os meios investigativos são mais eficazes do que o uso extensivo de uma panóplia militarista. Em especial quando nos referimos ao terrorismo de pequenos grupos bem organizados, com finanças eficazes, inteligência estratégica e grande capacidade de proselitismo – o que denominamos de “Estado-Rede” – o enfrentamento e o desmantelamento de tais redes não poderia ser chamada de “guerra”. Potências importantes e democráticas, que historicamente enfrentaram o terrorismo – como a Índia, França ou Alemanha – buscaram meios inteligentes, tais como controle de fluxos de capital, de material explosivo e de informações digitais para pautar sua ação, o que resultou numa resposta justa e mais pacifica.

Não nos referimos a nenhuma operação tipo “Corações e Mentes”, no mais fracassadas, como no caso do Vietnã ou da Nicarágua. Aí não havia terrorismo e sim uma guerra civil, com intervenção estrangeira, de tipo nacional e social. Na verdade, o caso do IRA e a pacificação – ainda incompleta – da Irlanda seria um exemplo bem melhor.

A opção de George Bush
Ora, George Bush nunca pensou, sequer por um minuto, neste longo rol de experiências históricas. Sua decisão, rápida, superficial e, no limite, irresponsável dirigiu-se desde o primeiro momento pela necessidade da guerra, de uma resposta bélica – pouco importava onde - capaz de criar uma onda nacionalista nos Estados Unidos que sustentasse uma longa continuidade da “revolução conservadora” que se apossara do país. Seymour Hersch, jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer, descreve em detalhes como Bush escolheu voluntariamente a guerra.

Pior de tudo é que a escolha de Bush, além de errada, era inconsistente e ineficaz. Milhares de pessoas morreram em razão de tal escolha. É verdade, temos que admitir, que a escolha de Bush estava em paralelo – embora não fosse condicionada ou enquadrada - pela visão de mundo de Bin Laden e de seus seguidores, mantenedores e simpatizantes ( desde os milionários do Golfo Pérsico até as forças militares paquistanesas ). Mas, decididamente, não era a única resposta possível. Talvez estivesse bem mais condicionada pela forma do agir político da direita militarista americana – paradoxalmente mais representada por civis como Dick Cheney e Donald Rumsfeld do que por militares profissionais americanos. Em seu conjunto eram homens claramente prisioneiros de uma visão de mundo expressa em finais cinematográficos do tipo “Ok Corral” ou “Independence Day”.

Obama e Osama
A chegada de Barack Obama ao poder mudaria muito claramente a forma desse agir político – e de sua expressão militar de tipo duelo do “bad boy contra o good boy”. Enredado nas suas promessas de campanha eleitoral – muitas das quais muito (muito mesmo!) mais difíceis de por em prática do que de falar, tais como fechar a prisão “sem lei” de Guantánamo - Obama buscou uma solução para as guerras herdadas de Bush. No Iraque será encenado um arranjo político com a oposição sunita, que gradualmente abandonaria as ações militares contra os Estados Unidos e a maioria xiita, para criar um espaço de ação comum no interior do novo estado oriundo da catástrofe de 2003.

Este é o momento em que Osama Bin Laden começava a morrer.

As tribos beduínas iraquianas, hostis a qualquer estrangeiro e seguidoras de Saddan Hussein, haviam se lançado claramente na insurgência anti-norte-americana desde 2003. A mesma coisa acontecera com os quadros da Guarda Nacional do Partido Baath (de Saddam Hussein) e com boa parte do exército regular iraquiano, de maioria sunita. Os anos seguidos de guerra civil e de insurgência foram então aproveitados pela Al-Qaeda para ferir moralmente e fisicamente os americanos no Iraque. O número de mortos americanos confirma a lógica da nova estratégica do terrorismo mujahidin. Em vez de enfrentar todas as dificuldades de atacar (mais uma vez) em Nova York (ou qualquer outra cidade americana) ficara mais fácil matar americanos na velha Mesopotâmia. Entretanto, neste jogo cruel entre Bush e Bin Laden morriam milhares de civis iraquianos – além dos jovens soldados de diversas nacionalidades que lá estavam presentes.

A matança discriminada de civis – em grande parte vítimas em uma primeira hora da coalizão norte-americana, como em Bagdá ou Falluja – e em seguida vítimas das centenas de atentados da Al-Qaeda enojaram, cansaram, e saturaram os insurgentes iraquianos. Entre 2008 e 2010 a maioria da insurgência nacionalista iraquiana estava farta dos atentados terroristas contra mesquitas, delegacias, escolas e postos médicos. A guerra podia ser americana, imposta e injusta, mas as vítimas eram iraquianas.

As televisões Al-Jazeera e Al-Arabya transmitiam de forma incansável a crônica de mortes em nome da Guerra Santa e do Islã. Foi demais. No próprio Iraque, mas também no Cairo, em Beiruth, em Argel ou Rabat as pessoas estavam exaustas e não aceitavam as desculpas esfarrapadas de que as vítimas eram mártires e seriam recompensadas por Allah.

Deu-se, então, a primeira morte de Osama Bin Laden.

Não estranhamente quando a população de Túnis, em 17 de dezembro de 2010, revoltou-se contra o regime corrupto do seu país – e assim lançou uma faísca de indignação, revolta e de busca da liberdade que se espraiaria de Rabat (Marrocos) até Sanaa (Iêmen), explodindo no Cairo, em Trípoli e nas cidades sírias, com inesperadas repercussões em Madrid e Paris, o grande ausente era Osama Bin Laden.

Nas manifestações populares massivas que encheram – e ainda lotam – as praças das maiores cidades árabes (incluindo aí Cairo, Alexandria, Bengazi, Trípoli, Beiruth e Rabat) não se viu sequer um retrato de Osama Bin Laden. Seus slogans cheios de ódio estavam ausentes. Nem sequer uma bandeira de Israel ou dos Estados Unidos foi queimada ou se escandiam versos pela destruição da “entidade sionista”. A pregação da Al-Qaeda não convencera as massas árabes. A revolta popular era contra a cleptocracia de seus países. Pedia-se liberdade, mais empregos e o fim da corrupção. Havia sim simpatia pelos palestinos – estes não poderiam ser esquecidos. Mas, mesmo em Gaza e Ramallah, sentiu-se a necessidade inadiável de reformas e de um entendimento nacional, aproximando finalmente o Hamas e o Al Fatah em busca de negociações pela paz. No Cairo, na Praça Tahrir, ninguém lembrava de Bin Laden.

Os únicos a lembrar da Al-Qaeda e de Bin Laden foram, paradoxalmente, seus inimigos. Os ditadores Ben Ali, Ali Saleh, Muamar Kadaffi advertiram fortemente o ocidente que após a derrocada de seus regimes o que se seguiria seria o domínio da Al-Qaeda. O ocidente deveria continuar apoiando, armando, financiando (com suas compras de petróleo e/ou ajuda militar) as velhas ditaduras árabes, posto serem elas o último “dique” ao fundamentalismo religioso. Vozes na Europa e nos Estados Unidos, bem como no Partido Likud em Israel, declarariam abertamente preferirem os ditadores “conhecidos” ao “risco Al-Qaeda”. Argumentou-se contra a viabilidade da democracia no mundo árabe, onde inexistiria uma sociedade civil para sustentar regimes representativos.

Todas as previsões, e diagnósticos, mostraram-se errôneas. Egito, Tunísia e Marrocos caminham em direção a regimes mais livres, representativos e onde a população pode, cada vez mais, pedir contas dos atos de seus governantes. A Líbia embrenha-se num conflito de interesses do próprio ocidente. Na Síria, Iêmen, Bahrein e Argélia a população insiste e resiste em nome de reformas urgentes.

Mas, em nenhuma das praças e ruas árabes Bin Laden esteve presente. Na verdade, para as massas árabes Bin Laden já estava politicamente morto. Nada representava para além da chantagem (bem aceita) que os ditadores de plantão faziam ao ocidente. A paga pela conivência Bin Laden/Guerra ao Terrorismo/Ditaduras era o duro sofrimento das populações de mais de um a dezena de países. Para os jovens da Praça Tahrir, mesmo para aqueles que se declaravam religiosos e paravam os protestos para orar, Bin Laden nada mais era que um estorvo.

Bin Laden morria, pela segunda vez, no centro da Praça Tahrir.

Quando, finalmente, os Estados Unidos anunciaram, em 2 de maio de 2011, a morte física de Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda já era um cadáver político. Sua terceira, e definitiva morte em Abottbad, seguia-se a sua morte estratégica no Iraque e a sua morte política nas ruas do Cairo, Tunis e Bengazi. Mais irônico de tudo –e também o mais amargo – foi o fato de Bush ter feito uma guerra cruel no Iraque para impor a democracia. Além de ter falhado, ao custo de milhares de vidas humanas, foi nas ruas de Túnis e do Cairo, graças à revolta espontânea do povo, que a democracia emergiu no Oriente Médio.

Referências no artigo:

HERSH, Seymour. Cadeia de Comando. Rio, 2004

RICKS, Thomas. Fiasco: the american military adventure in Iraq. Londres, 2006.

Sítos eletrônicos: www.unknownews.net e www.icausualties.org

Filmes: Gunfight at the Ok Corral (Sem lei, sem alma), direção de John Sturges, 1957

Independence Day, direção Roland Emmerich, 1996.

Seriado: Over There, de Steven Bochco e 20th Century Fox, 2005/6

Professor de Relações Internacionais da Universidade do Brasil
(www.tempopresente.org)