segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Atividade de Inteligência, em nível estratégico: Uma proposta para o Brasil




Márcio Bonifácio Moraes


http://csie-esg.blogspot.com/2011/02/atividade-de-inteligencia-no-brasil.html

1. INTRODUÇÃO

"O Serviço de Inteligência é o escudo invisível da Pátria e da Nação”.
Professor Raimundo Teixeira de Araújo

O propósito da presente trabalho é o de mostrar a importância da Atividade de Inteligência, em nível estratégico, como instrumento de assessoria e apoio às decisões de Estado e o de apresentar algumassugestões para o incremento dessa Atividade no Brasil. Realizando uma breve retrospectiva histórica pode-se afirmar que essa Atividade é tão antiga quanto à própria humanidade, isto porque abusca pelo conhecimento é inerente ao ser humano. Inicialmente, seu campo de ação restringia-se tão-somente ao ambiente militar. Os líderes guerreiros dos povos em luta lançavam mão de pessoas que, infiltradas nas hostes inimigas, enviavam informes aos seus chefes. Aquele que obtivesse os melhores conhecimentos sobre o adversário, entrava em combate com nítida vantagem. No início do século XX, alguns países já possuíam Serviços de Inteligência estruturados, sendo que na Primeira Guerra Mundialela teve papel destacado. Entretanto, foi durante a Segunda Guerra Mundial que a Inteligência se consolidou de forma ampla e decisiva, com a criação e aperfeiçoamento de vários Serviços e o desenvolvimento de novas técnicas. Mas, foi ao final da Segunda Guerra, no período que se convencionou chamar de “Guerra Fria”, onde os países do Ocidente se uniram para fazer frente ao expansionismo da União Soviética que, mais uma vez, a Atividade de Inteligência teve papel destacado trabalhando em termos de ameaça a um eventual conflito. Sua concepção passou a ser predominantemente voltada para os aspectos político-ideológicos e militares. O colapso da União Soviética ocorrido em 1991 e o consequente fim da bipolaridade, ambiente onde predominava a estratégia da contenção, cederam lugar a um panorama difuso com indefinições dos polos de poder absoluto. Dentro dessa nova concepção, a Inteligênciafoi redirecionada, passando a acompanhar áreas específicas das quais se destacam:

- o Terrorismo Internacional;
- o Narcotráfico e outros crimes estruturados;
- a Fabricação e controle de armas de destruição massiva;
- a Espionagem, com ênfase às áreas de ciência e tecnologia; e
- o Desenvolvimento de tecnologias de uso dual.


Nos dias de hoje, é tal a complexidade das decisões a serem tomadas, que nenhuma nação pode prescindir de conhecimentos oportunos e exatos. O Brasil, por sua extensão territorial e potencialidades, vem se destacando, cada vez mais, no cenário internacional. Assim, necessita de
um sistema de Inteligência capaz de assessorar corretamente todas as ações de Estado no âmbito internacional e detetar os eventuais óbices que se contraponham à consecução dos seus objetivos maiores.




2 – FUNDAMENTOS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

“Não se deve confundir doutrina com doutrinação. A doutrinação ganhou sentido
pejorativo, como contrafação da própria doutrina”.
Escola Superior de Guerra (ESG)



Para que seja mais fácil ao leitor uma melhor compreensão de como atuam os Serviços de Inteligência, torna-se necessária uma breve abordagem dos fundamentos doutrinários que norteiam essa Atividade.
A Atividade de Inteligência é definida como o exercício sistemático de ações especializadas, orientadas para a produção e difusão de conhecimentos, tendo em vista assessorar as autoridades governamentais,
nos respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, execução e acompanhamento das políticas de Estado. Ela engloba, também, a salvaguarda de dados, conhecimentos, áreas, pessoas e
meios de interesse da sociedade e do Estado1.A partir desta definição, verifica-se que a Atividade de Inteligência caracteriza-se por ser de natureza permanente, pois se configura como um instrumento do Estado à disposição de sucessivos governos para executar a tarefa de assessoramento dos seus atos decisórios, especificamente nos assuntos relacionados à defesa das instituições e interesses nacionais. A Atividade de Inteligência está vinculada à existência do próprio Estado e de suas instituições permanentes, transcendendo, assim, no tempo, aos governos que se sucedem. Para a consecução de seus objetivos, a Atividade desmembra-se em dois segmentos ou ramos, que podem ser definidos como:

Segmento de Inteligência Aquele voltado, especificamente, para a produção do conhecimento,
utilizando-se de uma metodologia própria e de técnicas acessórias, permitindo, assim, o afastamento de práticas meramente intuitivas ou adoção de procedimentos sem uma orientação racional.


[1. Definição adotada pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).


Segmento de Contra-Inteligência Aquele que objetiva prevenir, detetar, obstruir e neutralizar a Inteligência adversa e as ações de qualquer natureza que ameacem à salvaguarda de dados, onhecimentos, áreas, pessoas e meios de interesse da segurança da sociedade e do Estado.
É, também, importante definir o que é um Sistema de Inteligência e quais as suas principais características. Ele é conceituado como um conjunto de órgãos em contínua interação, compondo uma estrutura organizada, ue tem por finalidade exercitar a Atividade de Inteligência 2.
Um sistema de Inteligência deve possuir as seguintes características:


- Legitimidade, legalidade e controles (interno e externo);
- Coordenação centralizada no mais alto nível;
- Existência de uma doutrina única;
- Ampla capacidade de busca de conhecimentos, abrangendo os
campos Interno e Externo; e
- Capacidade de proteção dos conhecimentos produzidos pelo
sistema.

Finalmente, apresentamos duas definições sobre o que se entende por Inteligência Estratégica. Ela foi definida por Sherman Kent3como: “A busca de conhecimentos sobre os quais as relações exteriores do nosso país devem basear-se na paz e na guerra”. Washington Platt4 também definiu Inteligência Estratégica como: “O conhecimento referente às possibilidades, vulnerabilidades e linhas de ação prováveis das nações estrangeiras”.

Assim, podemos concluir que a Atividade de Inteligência, em nível estratégico, é voltada, primordialmente, para o Campo Externo.

[2. Conceituação adotada pela Escola Superior de Guerra (ESG).
3. Sherman Kent serviu no setor de análise do Office of Strategic Services (OSS), durante
a Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, trabalhou na CIA como chefe do Office
of National Estimates (ONE), setor responsável por elaboração de documentos conhecidos
como Estimativas. O seu livro mais famoso é Strategic Intelligence for American
World Policy editado pela Princeton, University Press. 1949.
4. O General Washington Platt foi o autor do livro Strategic Intelligence Production. New
York: Frederick A. Praeger. 1957.]



3 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL
“A história é a testemunha do passado, luz da verdade,
vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos”.
Cícero


a) Os Primórdios

b) “Voar com o pensamento a toda a parte. Adivinhar perigos e evitá-los. Entender os inimigos e enganá-los” 5. Estas frases parece haver sido extraídas de um livro do estrategista Sun Tzu, ou até mesmo de um compêndio de Inteligência. ntretanto, elas foram escritas por Luís Vaz de Camões em
seu épico, Os Lusíadas. Isso mostra que nossos descobridores possuíam uma excelente percepção estratégica, preocupando-se com os levantamentos de área, as ações de espionagem, a proteção dos conhecimentos sensíveis e outros procedimentos típicos da Atividade de Inteligência. Como exemplo, destacamos a figura de um dos mais famosos espiões da corte portuguesa, o escudeiro Pêro de Covilhã6 – “o espião ntrépido”. Nascido em uma vila da Beira, ele tinha uma característica singular: a facilidade em assimilar idiomas estrangeiros, especialmente o árabe. Em 1487, por ordem do Rei D. João II, Covilhã realizou uma longa expedição passando pelo Oriente Médio, pela Ásia e Norte da
África, finalizando no Egito em 1491. De lá, por intermédio de um emissário da corte, ele enviou um extenso e detalhado relato ao Rei. Esse documento era um levantamento pormenorizado e iria servir, decisivamente, sobre a rota a ser adotada pelo navegador Vasco da Gama que descobriu o caminho marítimo para as Índias (1497-1499). Assim, Vasco da Gama não perdeu tempo em passar por pontos inúteis nas costas da África e da Ásia.

Naquela época, alguns temas ligados às grandes navegações eram revestidos de absoluto sigilo na corte portuguesa. Eram considerados


[5. Lusíadas, Canto XVIII número 89, publicado, pela primeira vez, em 1572.
6. Pêro de Covilhã se fazia acompanhar de outro explorador de nome Afonso Paiva.
Viajaram juntos até o Aden onde se separaram. Afonso Paiva teria desaparecido, pois
nunca mais se soube qualquer notícia dele.]


estratégicos e patrimônio secreto do Estado: os roteiros de viagem, os mapas e cartas de navegação, os livros de bordo, as relações de escrivães e até as plantas de construção de caravelas. No Brasil, existem registros sobre o emprego de atividades secretas e emprego de espiões desde o tempo do Brasil Colônia, quando Alexandre Gusmão7 tomou parte na negociação da questão das fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Tordesilhas, oficialmente demarcador das fronteiras entre Espanha e Portugal e que nunca conseguiu ser totalmente respeitado, tendo sido substituído pelo Tratado de Madrid.8

A primeira referência normativa sobre a proteção de material sigiloso é datado de 1859 e foi elaborada por ordem de José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco9, que editou o denominado
Regulamento Paranhos10 , que reorganizava e dava novas atribuições à Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. Todavia, a concepção formal para o emprego integrado da Atividade
de Inteligência só teve início na República, durante o governo do presidente Washington Luis com a criação do Conselho de Defesa Nacional11. Esse Conselho conduzia o estudo e coordenação da produção de conhecimentos nas áreas econômica, militar e moral, relativas à defesa da Pátria, assuntos esses voltados para o Campo Interno.


[7. Diplomata luso-brasileiro que representou Portugal na discussão de vários Tratados.
8. O tratado de Madrid foi assinado na capital espanhola a 13 de janeiro de 1750,
entre os reis de Portugal e de Espanha. Ele foi preparado cuidadosamente a partir de
informações sigilosas, favorecendo as colônias portuguesas em prejuízo aos direitos dos
espanhóis. O Tratado de Madrid foi importante para o Brasil, pois definiu, aproximadamente,
o contorno geográfico do Brasil de hoje.
9. José Maria da Silva Paranhos, - Visconde do Rio Branco (16/03/1819 — 01/11/ 1880)
teve grande atuação na política e na diplomacia. Exerceu as funções de secretário na
missão especial no Rio da Prata, sob as ordens do Marquês do Paraná (1851) e,
depois, ministro residente, chefe de legação e enviado especial em missões nas repúblicas
da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. Na política interna do Império foi deputado
provincial pelo Rio de Janeiro, deputado geral em várias legislaturas, presidente de província,
ministro dos Negócios Estrangeiros, da Marinha, da Guerra e da Fazenda.
10. Decreto Imperial n˚ 2.358, de 19 de fevereiro de 1859.
11. Decreto n˚ 17.999, de 29 de novembro de 1927.]


Sua primeira reestruturação ocorreu em 193412, quando foram criadas a Comissão de Estudos da Defesa Nacional, a Secretaria-Geral da efesa Nacional e uma Seção de Defesa Nacional em cada ministério. No mesmo ano, já no governo de Getúlio Vargas o Conselho teve o seu nome alterado para Conselho Superior de Segurança Nacional, nome que seria novamente alterado em 1937, passando a se denominar, simplesmente, Conselho de Segurança Nacional. Durante todo esse período de existência a Atividade de Inteligência, sempre esteve voltada, primordialmente, para questões de segurança e defesa interna. Ao término da Segunda Guerra Mundial o País passou por profundas transformações tendo como resultado uma reestruturação na política da Segurança Nacional. Isso de certa forma ocorreu em razão das novas ideias trazidas pelos oficiais brasileiros que tomaram parte na
Força Expedicionária Brasileira (FEB). Assim, o Conselho de Segurança Nacional foi reformulado, tendo sido criado o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI) que passou a coordenar a atividade de Inteligência no Brasil13. Todavia, ele só foi realmente implantado em 1958, 12 anos depois desua criação14. No mesmo ato foi, também, criada a Junta Coordenadora de Informações (JCI)15. O SFICI tinha quatro subseções: Exterior, Interior, Operações e Segurança Interna. Para suprir a falta de pessoal especializado, para trabalhar no SFICI,a Escola Superior de Guerra (ESG) realizou, em caráter experimental e nos mesmos moldes dos cursos regulares já existentes16, o seu primeiro Curso de Informações tornando-se, assim, o primeiro estabelecimento de ensino no Brasil a ministrar cursos na área de Inteligência.

[12. Decreto n˚ 23.873, de 15 de fevereiro de 1934.
13. Decretos Lei n˚ 9.775 e n˚ 9.775 A, de 06 de setembro de 1946.
14. Decreto n˚ 44.489 – A, de 15 de setembro de 1958.
10. Decreto Imperial n˚ 2.358, de 19 de fevereiro de 1859.
15. A JCI tinha a tarefa de coordenar toda a Comunidade de Informações.
16. Curso Superior de Guerra (CSG) e Curso de Estado-Maior e Comando das Forças
Armadas (CEMCFA).]


c) O Serviço Nacional de Informações (SNI)
“O serviço de Inteligência é o apanágio dos nobres;
se confiado a outros, desmorona”.
Coronel Walter Nicolai
Chefe do Serviço Secreto da Prússia.



A criação do Serviço Nacional de informações (SNI)17 ocorreu em 1964, durante o governo do presidente Humberto de Alencar Castello Branco, em um contexto conjuntural de grave conturbação da ordem pública e social com seus reflexos nas diversas expressões do Poder Nacional.


Esse novo Serviço iria substituir o SFICI. O SNI passou a ser o órgão máximo de um sistema que se denominava Sistema Nacional de Informações (SISNI). Era formado pelos seguintes subsistemas:
- Subsistema Setorial de Informações dos Ministérios Militares – SSIMM, composto pelos Serviços de Inteligência Militares: Centro de Informações da Marinha (CIM)18, Centro de Informações do Exército
(CIE)19 e Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA)20 ; - Subsistema Setorial de Informações dos Ministérios Civis – SSIMC, composto pelas Divisões de Segurança e Informações (DSI) dosministérios civis e pelas Assessorias de Segurança e Informações (ASI) dos organismos do segundo escalão da administração pública federal21; - Subsistema Setorial de Informações Estratégico-Militares (SUSIEM) coordenado pelo Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), por intermédio de sua Subchefia de Informações Estratégicas(SC-2) e composto pela Subchefia de Informações do Estado-Maior da Armada (M-20), a 2ª Seção do Estado-Maior do Exército (2ª/EME), a Seção de Informações do Estado-Maior da Aeronáutica (2ª/EMAer);

- Serviço de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores; e

[0. Criado pelo Decreto n˚ 63.006, de 17 de julho de 1968.
21.A integração dos ministérios civis ao SISNI foi efetivamente regulamentada pelos Decretos n˚ 75.524 e 75.640, de 24 de março de 1975 e 22 de abril de 1975, respectivamente.
19. Criado pelo Decreto n˚ 60.664, de 02 de maio de 1967.
18. Criado pelo aviso Ministerial n˚ 2.868, de 05 de dezembro de 1955.
17. Lei n˚ 4.341, de 13 de junho de 1964.]

- Serviço de Informações do Ministério da Justiça representado pelo Centro de Informações do Departamento de Polícia Federal (CI/DPF). Além dos integrantes do SISNI, existiam as Comunidades de Informações que eram compostas por todos os órgãos de Informações que trabalhavam em uma mesma área geográfica. A comunidade tinha uma composição variável e, normalmente, era formada pelas Segundas Seções dos comandos regionais das Forças Armadas, Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros. Em 1967, com o propósito de ajustar a política de sigilo das questões de Estado à nova realidade nacional, foi aprovado o Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS)22 que viria substituir o Regulamento anterior que era de 194923. Em termos de pessoal o SNI contava em seu efetivo com militares da ativa e da reserva, por servidores civis do próprio quadro do órgão e por requisitados de outros órgãos governamentais. Logo foi sentida a necessidade de se melhor preparar recursos humanos para desempenhar essa tarefa que exigia muita técnica e especialização, bem como criar uma doutrina única para a Atividade. Assim,
em 1971, foi criada a Escola Nacional de Informações (EsNI)24 com diversos cursos nas áreas de análise e operacional (Curso A - analista - nível superior; Curso B – analista nível-médio; e Curso C – Operações de Informações). Esses cursos anteriormente eram realizados na Escola Superior de Guerra (ESG) – Curso de Informações, nível superior, e no Centro de Estudos de Pessoal (CEP), no Leme – para analistas - nível médio e área operacional. Cabe ser ressaltado que no período de 1982-1989, também, funcionou na EsNI um curso de formação de Analista de Inteligência para o Campo Externo (CICE). Além dos cursos, a EsNI, também, oferecia vários estágios de duração
variável, nas áreas de operações, de análise, de Contra-Inteligência e


[22. Decreto n˚ 60.417, de 11 de março de 1967.
23. Regulamento para a Salvaguarda das Informações que interessam à Segurança Nacional (RSISN) – Decreto n˚ 27.583, de 14 de dezembro de 1949.
24. Decreto n˚ 68.448, de 31 de março de 1971.]

na preparação de funcionários designados para missões no exterior, esse essencialmente voltado para a proteção dos conhecimentos sensíveis. Os primeiros cursos e estágios só foram iniciados no ano de 1972. Para o atendimento das necessidades da Atividade de Inteligência, além da EsNI, foram criadas no SNI outras estruturas de apoio, destacando- se a Secretaria Administrativa (SAD) e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações (CEPESC). Ainda, dentro desse contexto, também, foi colocado em vigor, em 1971, o primeiro Plano Nacional de Informações (PNI)25.
Ele era o documento normativo da Atividade, distribuído a todos os organismos de cúpula dos subsistemas já mencionados, regulava a produção, fluxo de informações, periodicidade e responsabilidades das agências envolvidas. Em âmbito setorial, cada ministério produzia um plano decorrente. Assim, fechava-se o ciclo de produção de conhecimentos. Alguns criticavam o PNI, pois o consideravam extenso e complexo. Mas o fato era que ele, mesmo com todas as imperfeições, propiciava um permanente fluxo de conhecimentos para o SNI e para seu usuário maior que era o Presidente da República. Paulatinamente, a qualidade dos cursos e estágios ministrados pela EsNI foi melhorando, havendo recebido um grande impulso no período do General Otávio Aguiar de Medeiros26.


O fato é que ele havia sido Adido Militar em Israel (1973-1974) período em que ocorreu a “Guerra do Yon Kippur”, havendo colhido muitos ensinamentos sobre como a Inteligência de Israel atuou, tendo um papel fundamental na vitória. A ideia corrente era a de estruturar o SNI nos moldes dos serviços de Inteligência israelense e britânico (pequeno efetivo, pessoal altamente capacitado e treinado e com forte destaque para a área operacional).

Isso de certa forma tinha sentido, uma vez que o Brasil vivia um quadro de subversão e terrorismo. A EsNI era, também, responsável pela formulação, difusão e atualização da doutrina de Inteligência. Era considerada de grande importância a existência de uma consistente unidade doutrinária entre os membros do SISNI.


[25. O PNI foi criado pelo Decreto n˚ 66.732, de 16 de junho de 1970 e reeditado pelo Decreto n˚ 73.284, de 10 de dezembro de 1973.
26. O General Medeiros foi Ministro-Chefe do SNI no período de junho de 1978 até março de1985.]


O primeiro manual de Informações denominado de M-0727 era composto de dois volumes. O primeiro tratava dos conceitos doutrinários básicos da Atividade, enquanto o segundo dedicava-se à metodologia para a produção de conhecimentos (análise)e demais procedimentos. Essa doutrina, também, era adotada por todosos integrantes do SISNI. Com o passar dos anos, a Escola foi mudando a sua concepção inicial e passou a dar mais ênfase à parte referente à análise dos conhecimentos, colocando questão da busca sigilosa de conhecimentos (parte operacional) em um segundo plano.


Doutrinariamente, isso foi uma falha, uma vez que esses dois segmentos são igualmente importantes, pois se interligam e se complementam. Desde a sua criação, o SNI realizava um rigoroso processo para admissão em seus quadros, nos curso e estágios ministrados pela EsNI. Posteriormente, (na metade da década de oitenta) esses critérios foram abrandados. Surgiram, tanto na Escola quanto nas Agências Regionais, pessoas sem a necessária qualificação para o serviço, resultado de um recrutamento e de uma seleção deficiente. Entretanto, em nosso entendimento, ocorreram três falhas que foram fulcrais para o desgaste do Serviço, e que contribuíram para a sua extinção. - A primeira foi a de que, durante a década de oitenta, o SNI afastou-se da tarefa de assessoramento, passando a participar, também, doprocesso decisório do governo. Isso desvirtuou a principal característicade um Serviço de Inteligência; - A segunda foi a de que, devido às condições conjunturais do País,o Serviço se fortaleceu muito no Campo Interno, ficando praticamente ausente no Campo Externo e na produção de conhecimentos estratégicos.


Quando as questões internas foram resolvidas ou estavam sob controle, o Serviço não foi redirecionado para novas tarefas, dentre as quais uma maior projeção no exterior, deixando as questões domésticas a cargo da Polícia Federal e de outros órgãos competentes; e

[27. Criado pela Portaria n˚ 626 de 10 de dezembro de 1976. Márcio Bonifácio Moraes 62 Id. em Dest., Rio de Janeiro, (33) : 51-73, maio/ago. 2010]

- A terceira foi a de não haver preparado, de forma oportuna, os seus quadros civis para assumir funções de direção e chefia dentro do Serviço. Essas eram, na maioria das vezes, privativas de militares (ativa ou reserva). Além de criar um sentimento de frustração e falta de um maior estímulo e responsabilidade pelos funcionários civis, contribuiu para criar rivalidades internas. Esses funcionários civis eram orgânicos do Serviço, em sua maioria, excelentes profissionais, quase todos ex oficiais temporários do Exército (oficiais R/2) bastante dedicados e conhecedores da Atividade e que, mais tarde, após a extinção do Serviço iriam manter, a duras penas, todo acervo material até a criação de um substituto do SNI. Um mito que se instalou na sociedade e que contribuiu, também, para denegrir o nome do SNI foi o de que ele teria a tarefa de vetar candidatos a cargos públicos ou funções de confiança. O Serviço nunca vetou ninguém, até por que não tinha capacidade ou autoridade para fazê-lo. O fato é que quando eram feitos levantamentos sobre pessoas candidatos a cargos públicos (um Levantamento de Dados Biográficos – LDB), muitas vezes eram encontrados dados comprometedores sobre os mesmos. Isso era encaminhado à autoridade que desejava admitir essa pessoa. Por medo, fraqueza moral ou para evitar um “desnecessário desgaste”, essa autoridade informava que o SNI havia vetado o nome do candidato. Havia, também, o caso de muitas autoridades e políticos que quando não desejavam atender a pedidos de emprego ou de cargos, diziam que o nome do candidato havia sido vetado pelo SNI. Isso, de certa forma, desgastou muito o nome da Instituição.

Finalmente, outro aspecto que, também, contribuiu para debilitar o Sistema de Inteligência foi o fato dos chefes das DSI/ASI, via de regra, não se reportarem diretamente aos seus ministros ou chefes dos órgãos quem estavam subordinados28. O material produzido era encaminhado diretamente para o SNI, sem que essas autoridades tomassem conhecimento do assunto. Assim, os ministros ou chefes se sentiam desprestigiados e até desconfiados com a atuação de um setor dentro do seu próprio ministério que não trabalhava integrado.

[28. Essas ligações eram conhecidas como canal hierárquico (chefe imediato) e canal técnico (SNI - SISNI).

A partir de 1985, com a transição para o regime civil (governo do presidente José Sarney) ocorreu o primeiro declínio da Atividade. Foi extinto o Plano Nacional de Informações e, em consequência desse fato, o SISNI foi se desagregando. Em 1988, a Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional (SG-CSN) foi transformada em Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional (SADEN)29, mantendo- a com a mesma finalidade do extinto Conselho, o assessoramento do Presidente da República. O Ministro-Chefe do Serviço General Ivan de Souza Mendes, ainda, tentou reestruturar o Serviço, para atender a nova situação brasileira30, mas era tarde. Em razão de um desentendimento31
entre o candidato Fernando Collor de Mello e o General Ivan de Souza Mendes, fato que teria desagradado o candidato Collor que formulou uma promessa de campanha para extinguir o SNI. Fato
que realmente ocorreu logo após a sua posse, em 01/01/1990 no bojo de uma reforma administrativa32 .


d) A Inteligência do Brasil após a extinção do SNI
“Se alguém quiser reduzir o homem a nada, basta dar ao seu
trabalho o caráter de inutilidade”.
Fiodor Mikhailovitch Dostoievski

Com o fim do SNI, seu espólio material e pessoal passou por várias mãos. Primeiramente transformou-se em Departamento de Inteligência (DI) da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)33 que foi,

[29. Decreto n˚ 96.814, de 28 de setembro de 1988.
30. Conhecido como Projeto SNI e que previa um novo Regulamento para o Serviço – Decreto n˚ 96.876/1988.
31. A razão teria sido o cancelamento de uma audiência solicitada, pelo candidato Collor, após esse haver feito um forte pronunciamento contra o Presidente José Sarney de quem o General Ivan era ministro.
32. MP n˚ 150 de 15 de março de 1990, regulamentada por meio da Lei n˚ 8.028, de 12 de abril de 1990.
33. Criada no governo do presidente José Sarney com o propósito de substituir a Secretaria de Assuntos de Defesa Nacional (SADEN).]

inicialmente, dirigida por um civil de nome Pedro Paulo Leone Ramos, amigo de Fernando Collor, sem a menor experiência no setor e a necessária qualificação para o sensível e importante cargo. Diante dos
fatos, os Serviços de Inteligência militares se afastaram, passando a atuar sozinhos ou em fraca cooperação. Embora fizesse parte da recém- criada SAE, a Atividade de Inteligência foi relegada a um segundo plano, deixando seus servidores sem uma orientação de trabalho, devido à falta de compreensão do que é a Atividade e da importância dessa ferramenta de assessoramento na defesa do País e, especialmente, nas questões ligadas à política externa. Não tardou para que o Poder Executivo se ressentisse da falta de um assessoramento especializado e oportuno, no que se refere à produção
de conhecimentos indispensáveis aos interesses da Nação. Nas Forças Armadas, também, ocorreu uma retração, seguida de uma reavaliação de objetivos. Entretanto, os serviços de Inteligência militares
foram imediatamente levados a cobrir a lacuna deixada pelo SNI, na produção de conhecimentos necessários ao processo decisório nacional contribuindo, dessa maneira, para minimizar as carências do Estado. Nesse período, a Atividade de Inteligência governamental resignou-se a um papel de mera coadjuvante do processo decisório nacional, em vista da deliberada dilapidação do patrimônio do extinto SNI. Daí a necessidade de ressaltar-se, nessa fase, a importância relevante do desempenho
dos órgãos de Inteligência da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, no assessoramento às autoridades do mais alto nível de decisão do Estado. Em maio de 199434, nas dependências da Câmara dos Deputados, foi realizado um seminário cujo nome era “As Atividades de Inteligência em um Estado Democrático – Atualidade e Perspectivas”. Essa seria a primeira iniciativa concreta de se discutir a necessidade do País em ossuir um serviço de Inteligência. Ele contou com a participação de políticos, membros do executivo, estudiosos do assunto e até de representantes diplomáticos de outros países. Foi quase unânime a opinião dos participantes de que o Brasil possuía uma grande deficiência na área de Inteligência referente ao Campo Externo. Ela se devia à falta de projeção da Atividade e uma fraca atuação do setor diplomático na obtenção desses conhecimentos. O pouco que era obtido no Campo

[34. Esse seminário foi realizado entre os dias 18 e 26 de maio de 1994 e foi uma iniciativa
da Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

Externo era por intermédio das Forças Armadas. A única voz destoante foi exatamente a do representante do Ministério das Relações Exteriores (MRE)35. O seu representante, durante pronunciamento realizado, mencionou que não era reconhecida como legítima e nem aceita a Atividade de Inteligência no Campo Externo, especialmente atuando dentro de suas embaixadas, sob risco da perda da relação de confiança entre os Estados. Embora pouco de concreto tenha sido decidido nesse Seminário, ele foi extremamente importante, pois pela primeira vez, ficou patente que o Brasil deveria direcionar as ações de Inteligência para o Campo Externo, embora não tivesse sido definido de que modo isso iria ocorrer. Dentro da conjuntura vigente e sendo sentida a necessidade de formar quadros para a Atividade de Inteligência foi criado, em 1996, pela Escola Superior de Guerra (ESG), o Curso Superior de Inteligência Estratégica (CSIE). Esse Curso possuía, dentre outros, os objetivos de: habilitar civis e militares para o exercício de funções de direção e assessoria superior, em Inteligência Estratégica, nos órgãos responsáveis pela formulação da política nacional e contribuir para o aprimoramento da doutrina de Inteligência. No governo do presidente Itamar Franco, os destinos da Atividade de Inteligência permaneceram incertos. Foi durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso que ela foi colocada sob a subordinação da Casa Militar (hoje Gabinete de Segurança Institucional – GSI), cujo chefe era o General Alberto Mendes Cardoso.

Depois de muito esforço pessoal do General Cardoso, finalmente em dezembro de 1999, foi sancionada a Lei que criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)36 e instituiu o Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN). Ainda, nesse mesmo ano foi criado o Ministério da Defesa37, alterando a estrutura de comando das Forças Armadas e criando, também, um novo sistema de Inteligência38
congregando os serviços de Inteligência militares.


[35. Embaixador José Vicente de Sá Pimentel.
36. A ABIN foi criada em janeiro de 1995 pela Medida Provisória n˚ 813, que reestruturava a Presidência da República e, finalmente, transformada na Lei n˚ 9.883 de 07 de dezembro de 1999.
37. Lei Complementar n° 97, em 10 de junho de 1999.
38. Sistema de Inteligência de Defesa (SINDE).]

Apesar de esforços pessoais do General Cardoso em dar um impulso à Atividade, os danos irreparáveis sofridos ao longo de quase dez anos não permitiram que, até os dias de hoje, Atividade tenha se reestruturado de maneira a atender o Estado em todas as suas necessidades de conhecimentos de Inteligência, especialmente em nível estratégico.


4 – UMA PROPOSTA PARA O BRASIL

“É perdoável ser derrotado, mas nunca ser surpreendido”.
Frederico II Rei da Prússia

Dentro do contexto do presente trabalho serão, em seguida, apresentadas algumas propostas para dar à Inteligência do Brasil uma maior sinergia e amplitude em suas ações, fazendo com que ela se transforme em um verdadeiro instrumento de assessoria do Estado. Assim, é sugerido, inicialmente, que seja criada uma Política Nacional de Inteligência39 que dê os parâmetros básicos para a Atividade e possibilite aos demais membros do Sistema elaborar suas políticas ou diretrizes específicas. Após a definição da Política de Inteligência deveriam ser definidos os Objetivos de Inteligência que, em última análise, seriam metas ou alvos a ser atingidos por todo o Sistema. Ao fim desse processo, seria elaborado um Plano Nacional de Inteligência40 que desse uma dinâmica ao Sistema e permitisse um fluxo contínuo de conhecimentos41.

[39. Política de Inteligência, em seu sentido mais amplo, define o que se pretende com a Atividade de Inteligência, aí incluídas diretrizes gerais para a sua consecução. Pode, também, ser entendida como um conjunto de Objetivos de Inteligência, visto como orientação ou referência para a estruturação e o funcionamento de um Serviço de Inteligência.
40. Plano Nacional de Inteligência é o documento de execução, do mais alto nível e que, dentre outros aspectos, deve listar os Objetivos de Inteligência, previamente determinados na Política de Inteligência e desdobrá-los em Conhecimentos Necessários, bem como atribuí-los aos diversos órgãos que ficarão encarregados de sua obtenção.
41. Conselho Nacional de Defesa aprovou em setembro de 2009 o novo Plano Nacional de Inteligência elaborado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O plano prevê que todas as ações do setor passam a ser coordenados pelo GSI e não mais pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Nessa ocasião foi aprovada, também, a nova Política Nacional de Inteligência. A Política e o Plano devem ser encaminhados ao Congresso até o final do ano de 2009, para aprovação.]

Outro aspecto que deverá ser decidido é a forma como o serviço de Inteligência deverá ser estruturado.


Um sistema único (uma só agência – ABIN - responsável pelo acompanhamento dos campos Interno,
Externo e Contra-Inteligência, como atualmente ocorre42) ou duas ou mais agências para atender as necessidades do País (uma agência voltada para o Campo Interno e Contra-Inteligência, outra para o Campo Externo e, finalmente, uma terceira para a Inteligência Militar). Países como a Inglaterra, França, Israel e Alemanha possuem essa estrutura, com pequenas variações. Os Estados Unidos da América, país de características sui generis, possui um dos maiores e mais complexos sistemas de Inteligência do mundo. Criado logo após a Segunda Guerra Mundial43 foi reformulado recentemente, fruto do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Possui um total de dezesseis agências, sendo que oito são ligadas ao Departamento de Defesa44, sete ligadas a outros Departamentos45 e uma agência independente46. Todo esse sistema é coordenado pelo Diretor Central de Inteligência (DCI), que se reporta diretamente ao Presidente da República.

[42. O Ministério da Defesa embora faça parte do SISBIN, coordena um sistema próprio que é o Sistema de Inteligência de Defesa (SINDE), composto pelos serviços de Inteligência da Marinha, Exército e Aeronáutica.
43. National Security Act, de 1947, que organizou de forma sistêmica as diversas agências de Inteligência que haviam atuado durante a Segunda Guerra Mundial.
44. São agências do Departamento de Defesa: Defense Intelligence Agency (DIA), Army Miltary Intelligence (MI), Air Force Intelligence, Surveillance and Reconnaissence Agency (AIA), Marine Corps Intelligence Agency (MCIA), National Geoespatial Intelligence Agency (NGA), National Reconnaissence Office (NRO), National Security
Agency (NSA) e Office of Naval Intelligence (ONI).
45. Ligadas ao Departamento de Energia – Office of Intelligence and Counterintelligence (OICI); Departamento de Segurança Interna – Office of Intelligence,and Analisys (I&A) e Coast Guard Intelligence (CGI); Departamento de Justiça – Federal Bureau of Intelligence (FBI) e Drug Enforcement Administration (DEA); Departamento
de Estado – Bureau of Intelligence and Research (INR); Departamento do Tesouro – Office of Terrorism and Financial Intelligence (TFI). Departamento do Tesouro – Office of Terrorism and Financial Intelligence (TFI).
46. Agência Independente – Central Intelligence Agency (CIA).]

O Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) existe desde 1999. Entretanto, sua própria regulamentação não é clara quanto à coordenação desse Sistema. É necessário que se defina objetivamente quem vai coordenar a atividade de Inteligência no País. Assim, para gerenciar o Sistema deveria ser criada uma Junta Coordenadora de Inteligência (JCI), que seria presidida pelo diretorgeral
da ABIN. Ela se reuniria periodicamente com os chefes das demais agências do Sistema e teria como atribuições: a revisão e atualização da Política Nacional de Inteligência, do Plano Nacional de Inteligência e da doutrina de Inteligência em vigor. Realizaria, também, a ligação entre os demais integrantes do SISBIN de forma a manter uma sinergia e uma constante troca de dados e conhecimentos entre seus componentes. O Diretor-Geral da ABIN deveria ter o seu status modificado, para que ele fique em condições de ter um acesso direto ao principal usuário da Atividade que é o Presidente da República. Atualmente, todos os contatos do Diretor da ABIN são feitos por intermédio do Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) o que é doutrinariamente incorreto.


Outro aspecto importante é o trabalho de se restaurar a unidade doutrinária. Nas Forças Armadas, cada força singular possui a sua própria doutrina de Inteligência. A ABIN, o Departamento de Polícia Federal e as polícias (civis e militares dos Estados) possuem, também, suas próprias doutrinas e procedimentos. A falta de uma doutrina única torna praticamente impossível uma boa comunicação e coordenação entre os diversos integrantes do SISBIN. Essa uniformização da doutrina poderá ser obtida com a elaboração de manuais de uso comum e o retorno dos cursos de Inteligência para a Escola de Inteligência da ABIN – EsINT, que voltaria a ser o organismo de pesquisa, atualização e difusão da doutrina de Inteligência no País.


A reativação plena da EsINT serviria, ainda, para melhorar o entendimento e diminuir o clima de desconfiança permanente existente entre os Serviços de Inteligência Militares, os integrantes da ABIN e demais componentes do SISBIN. No que concerne à parte de recrutamento de recursos humanos para a ABIN, sugere-se modificar o atual sistema de admissão feito por intermédio de concurso público, com o nome dos aprovados divulgado no Diário Oficial da União. Ora, isso praticamente incapacita o novo funcionário da ABIN a atuar de forma sigilosa, antes que ele inicie a sua carreira, especialmente no Campo Externo. Torna, também, o Serviço vulnerável às infiltrações e impede o rápido afastamento de servidores que não preencham mais os requisitos de lealdade e confiança. Penso que o melhor meio de se admitir pessoal no sistema ainda seja por intermédio de requisições. O Brasil, País de dimensões continentais, surge como uma potência emergente, cada vez mais atuante no cenário internacional. Assim sendo, necessita de uma estrutura de Inteligência, em nível Estratégico, que seja capaz de detetar, de forma proativa, as ameaças e oportunidadesque se descortinam.

A despeito das reações contrárias do Ministério das Relações Exteriores, sobre o trabalho da Inteligência no Campo Externo, não existe outra forma de buscar de maneira oportuna e qualitativa os conhecimentos de interesse para o País. Vale lembrar que a Atividade de Inteligência trabalha na busca de dados negados ou que estejam sob proteção, o que diverge, totalmente, dos conhecimentos obtidos por intermédio do canal diplomático. Todos os países se utilizam da Atividade de Inteligência para esse fim. Nós não poderemos fazê-lo de forma diferente, sob o risco de ser ultrapassados e/ou surpreendidos.

Ao invés de divergirem, a Inteligência e a diplomacia deveriam caminhar juntas. A política Externa de uma Nação é constituída por uma complexa combinação de fatores externos e internos, que são os elementos essenciais para que o Estado elabore suas políticas e estratégias para o Campo Externo. Para que a diplomacia possa se projetar, ela necessita do suporte de quatro componentes: o econômico, o militar, o político e o legal. A Atividade de Inteligência permeia todo o processo. A Inteligência brasileira deve projetar-se estrategicamente no exterior, especialmente nas áreas onde os interesses do Brasil encontram-se presentes, seja de forma real ou potencial. Isso serviria para melhor orientar as ações do governo em sua política externa e evitar urpresas como, por exemplo, a invasão e nacionalização de uma refinariade gás na Bolívia ou ações de política externa, consideradas desastradas ou inoportunas.




5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Todos os profetas armados venceram.Os desarmados foram destruídos”.
Nicolau Maquiavel

Segundo Sir Francis Bacon47 , “conhecimento também é poder”. Dessa forma, um Estado bem informado é um Estado poderoso, capaz de identificar e neutralizar as suas ameaças reais e potenciais e de atingir, de forma oportuna, os seus objetivos estratégicos. Contudo, alguns governantes menos esclarecidos e pouco criteriosos encaram o serviço de Inteligência como um poder paralelo e, portanto, uma ameaça ao seu próprio governo. Outros preferem desconhecer o que acontece para que não sejam obrigados a tomar decisões de responsabilidade, com os seus eventuais desgastes.


Dentro desse quadro, a Atividade de Inteligência se apresenta como um fator incômodo, pois a sua principal tarefa é a busca do conhecimento e da verdade. O seu trabalho não é meramente intuitivo, mas realizado por pessoal especializado e baseado em técnicas e numa metodologia próprias. No caso do Brasil, existe uma grande aversão à Atividade de Inteligência, fruto de uma atitude orquestrada pela mídia e estimulada por pessoas que, de certa forma, alguma vez sentiram-se prejudicadas ou tiveram algum interesse contrariado. Eles atribuem essa responsabilidade a algum organismo supostamente ligado à Atividade de Inteligência. É preciso que seja desfeito o mito de que a Inteligência tem o propósito repressivo. Por outro lado, existe uma displicência dos nossos governantes em relação ao trabalho realizado pela Inteligência. Ela é fruto da falta de ompreensão da importância dessa Atividade como elemento de assessoria na condução de várias questões políticas para a defesa do País, em sua maioria, relacionadas à política externa.


[47. Francis Bacon, Primeiro Visconde de St. Alban (22/01/1561 – 9/04/1626).
Filósofo inglês, cientista, legislador, jurista e escritor. Citação contida em Religeous
Meditations, of Heresies, 11.]

Como vimos ao longo do presente trabalho, algumas das maiores democracias do mundo possuem seus sistemas de Inteligência, e esses atuam em defesa do Estado e não contra os nacionais do país. O trabalho de seus profissionais é sempre considerado e prestigiado. Sãos combatentes das sombras, heróis anônimos que lutam, na maioriadas vezes em terreno hostil, e onde as qualidades predominantes são: aargúcia, a ousadia e a coragem. Assim, o Sistema de Inteligência do Brasil devia ser moldado de forma a servir à Nação, sempre alicerçado nos princípios de legalidade e da legitimidade, assessorando o Estado, de forma permanente, na consecução dos seus Objetivos Nacionais.

No que se refere à produção de conhecimentos, a Atividade deverá estar direcionada para os campos Interno e Externo visando à segurança e ao desenvolvimento da nação, e abrangendo de forma harmônica os campos de expressão do Poder Nacional. É importante ressaltar que o crescimento acentuado da difusão de dados, oferece imensas possibilidades a todos aqueles que decidem. Estas fontes de conhecimentos, sem precedentes, não obstante, poderão dificultar ou até confundir o usuário em suas decisões. Os profissionais de Inteligência poderão assessorar nesse processo, agregando valores, utilizando sua competência profissional, técnicas assessórias, contatos e conhecimentos adquiridos sigilosamente, uma vez que é característica a Atividade a busca de dados negados ou sob proteção. A Contra-Inteligência deverá estar capacitada e treinada para fazer frente à sofisticação tecnológica. Por sua natureza imanente, assumirá importância preponderante perante toda a sociedade, especificamente no que tange à proteção dos conhecimentos, com ênfase aos científicos, industriais e comerciais. Ela deverá se projetar externamente na busca de conhecimentos úteis à Nação, e se contrapor às ações adversas na detecção e neutralização dos antagonismos reais e potenciais, que possam se configurar em ameaças aos Interesses maiores da Nação. A exemplo do que já vem ocorrendo com os serviços de Inteligência mais desenvolvidos, as Ações Especializadas tendem a sofrer um processo de sofisticação.


A Inteligência de Sinais (SIGINT) e a de Imagens (IMINT) vêm substituindo o emprego de agentes na obtenção de conhecimentos protegidos, muitas vezes com altos riscos operacionais. Entretanto, a Atividade de Inteligência deverá estar atenta no que concerne à preparação, treinamento e reciclagem de profissionais, ermitindo um perfeito entrosamento com esses sistemas e visando, mais do que tudo, promover a integração desses dados. A utilização de agentes especializados permanece como assunto de alta importância, onde as técnicas operacionais terão de ser utilizadas na obtenção de conhecimentos em áreas específicas. Como exemplo, pode ser citado o emprego da infiltração e do recrutamento operacional o terrorismo, no narcotráfico e no acompanhamento das organizações ransnacionais do crime organizado.


Concluindo, pode-se afirmar que toda nação, independente de regime político, necessita de um eficiente Serviço de Inteligência. Esse serviço deverá estar vinculado à existência do próprio Estado, sendo parte de suas instituições permanentes. O Serviço de Inteligência se sucederá aos vários governos, devendo
possuir apoio irrestrito de toda sociedade, que deverá entender a Atividade como legal e necessária a toda nação democrática.


*O autor é Capitão-de-Mar-e-Guerra, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, conferencista
convidado da Escola Superior de Guerra e do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (INCAER).
Márcio Bonifáci

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