terça-feira, 14 de junho de 2011

Relações diplomáticas Brasil – Paraguai e o problema do crime organizado transfronteiriço


“Essa contaminação da máquina estatal pelo crime organizado no Paraguai dificulta o processo de negociação quanto à problemática. Mesmo com a sinalização de novas perspectivas para uma política de combate ao comércio ilegal em âmbito multilateral, o governo paraguaio apresenta ainda grande resistência em adotar medidas práticas para o enfrentamento do problema”

A medida de exceção estabelecida pelo Presidente Paraguaio Lugo dando liberdade de ação aos militares para promover prisões busca combater grupos armados vinculados ao movimento de guerrilha Exército do Povo do Paraguai acusados de matarem quatro pessoas, além de serem suspeitos de haver vínculos com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e com o crime organizado atuante na fronteira com o Brasil.

O estado de exceção decretado pelo governo paraguaio em cinco departamentos (estados) tem evidenciado a atividade criminosa na região da fronteira nos últimos dias. Mas o que não pode deixar de ser destacado é que a problemática vivenciada pelo país vizinho não é novidade, mas, pelo contrário, tem raízes históricas, o que dificulta ainda mais ações de combate.

Além da notória deficiência nos mecanismos de fiscalização, outro fator que agrava o caso referente ao contrabando na região da fronteira é a rentabilidade que o mercado negro gera a alguns setores da sociedade paraguaia e as redes poderosas do crime organizado Brasil-Paraguai, que em grande medida possuem vastas ramificações nas instituições do Estado, dominando decisões nos níveis Legislativo, Executivo e Judiciário.
No caso paraguaio, a contaminação do poder político pela máfia ocorreu principalmente durante o longo período da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). Durante todo esse período, o governo brasileiro agiu de maneira complacente ao crescente mercado ilícito que florescia na região da fronteira, visto que o foco da política externa brasileira, nesse momento histórico, era manter o Paraguai como sua área de influência. Esse movimento de proximidade representava ao Brasil um ganho potencial, já que o principio norteador da agenda diplomática do país para América do Sul era conquistar o papel de líder hegemônico na região do Prata. Desse modo, além de exercer papel de pêndulo no poder regional, o Paraguai tinha com o Brasil uma relação de grande proximidade com inúmeros projetos bilaterais sendo desenvolvidos, quais sejam: a construção de rodovias, a Ponte Internacional da Amizade, entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, Itaipu e, posteriormente, o Mercosul.

O estreitamento das fronteiras através de projetos que visavam a ampliação das relações econômicas entre os países pode ser facilmente visualizada com o intercâmbio criado após a construção da Ponte Internacional da Amizade e a estrada Foz do Iguaçu- Paranaguá que deram um enorme estímulo ao comércio exterior paraguaio que passou a ter um acesso mais fácil a rota de exportação. Além do avanço no comércio bilateral com o Brasil, o Paraguai, mais especificamente a Ciudad del Este, experimentou um avanço significativo, tornando-se um grande empório exportador e centro do comércio de triangulação.

Foi durante esse estreitamento dos laços de amizade entre Brasil e Paraguai que houve um avanço exponencial das atividades do contrabando nas fronteiras bilaterais, que iniciou sua história com o contrabando de erva-mate, café, soja e madeira até chegar a ser uma das principais rotas de contrabando de aparelhos eletrônicos, cigarros e das atividades do narcotráfico em geral. Esse avanço significativo no comércio ilícito entre Brasil e Paraguai é resultado não apenas de uma infra-estrutura criada para facilitação das relações comerciais bilaterais, mas também e, sobretudo, devido à contaminação do poder político paraguaio por líderes do crime organizado, que passaram a utilizar toda estrutura da máquina estatal e a fragilidade do ordenamento jurídico nacional em prol da expansão das atividades ilícitas. O Brasil não ficou de fora do processo ao ser permissivo com a situação que estava sendo criada e, também, por ter uma estrutura frágil de combate ao crime organizado, que já se instalava em território nacional como parte da rede mafiosa Paraguai- Brasil.

Até o início da década de 1990, o contrabando não era tema de grande preocupação do governo brasileiro, tampouco do governo paraguaio. A problemática só foi questão de debate mais aprofundado na agenda bilateral a partir do segundo mandado do presidente Fernando Henrique Cardoso, que passou a buscar, embora de forma bastante tímida, uma cooperação do Paraguai para conter o avanço da atividade clandestina na região.

A nova dinâmica global também influenciou na formulação da agenda externa de diversos países, que se viram obrigados a aderir às novas prioridades internacionais. O Mercosul, neste contexto, buscou incorporar em seu ordenamento jurídico essas inúmeras iniciativas, regulamentando-as de acordo com as especificidades regionais. A garantia da vigência de um regime democrático no país e uma postura mais rígida quanto ao comércio ilícito foram alguns dos comprometimentos formalizados entre os membros do bloco.

Em 1993, a questão da segurança regional torna-se um dos temas prioritários no Mercosul. É estabelecido, nesta data, um Projeto de Acordo para Aplicação dos Controles Integrados em Fronteiras entre os Países do Bloco 2. Em 1997, é assinado um Convênio de Cooperação e Assistência Recíproca entre as Administrações das Alfândegas no Mercosul Relativo à Prevenção e a Luta Contra as Ilegalidades Aduaneiras. Essas iniciativas foram consolidadas na criação do Plano de Cooperação e Assistência Recíproca para a Segurança Regional no Mercosul. Em seguida, em 22.06.2001, foi criado no âmbito do Mercosul um Programa de Ação de Combate aos Ilícitos no Comércio Internacional.

No âmbito bilateral Brasil – Paraguai, em 1988, foi celebrado um acordo entre Brasil e Paraguai sobre a Prevenção, Controle, Fiscalização e Repressão ao Uso Indevido e ao Tráfico de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas 3. No mesmo ano o acordo bilateral foi referente às Notas Reversais sobre Tráfico Ilícito de Veículos 4. Em 1994, o tema foi à Cooperação para o Combate ao Tráfico Ilícito de Madeira. No ano de 2000, Brasil e Paraguai assinaram um Acordo de Cooperação Mútua para Combater o Tráfico de Aeronaves em Atividades Ilícitas Transnacionais.

Esses fatores tiveram um reflexo direto no Paraguai, que se viu pressionado pelos demais países do Mercosul a substituir o chamado comércio de triangulação e de reestruturar a indústria nacional, a fim de evitar o fortalecimento das atividades ilícitas, que tiram proveito da ampliação do mercado regional. Essas iniciativas referentes ao combate ao contrabando estão expressas em alguns acordos e propostas emanados pelos membros associados ao Mercosul.

Não obstante, embora neste período inúmeros acordos tenham sido assinados pelo Paraguai, em virtude especialmente da pressão exercida pelo Brasil e em partes pelos EUA, pouco foi feito para implementá-los. Isso porque, até finais da década de 90, o cargo presidencial esteve nas mãos de agentes políticos ligados à máfia organizada, que disputaram intensamente o espaço no poder político e no comando do tráfico. Como conseqüência, o aparato normativo criado tanto no Mercosul como no âmbito bilateral passou a encontrar grandes dificuldades de serem efetivados, sobretudo, devido à resistência interna do governo paraguaio, que possui, em seus diversos escalões do poder, pessoas que atuam em favor do crime organizado.

Essa contaminação da máquina estatal pelo crime organizado no Paraguai dificulta o processo de negociação quanto à problemática. Mesmo com a sinalização de novas perspectivas para uma política de combate ao comércio ilegal em âmbito multilateral, o governo paraguaio apresenta ainda grande resistência em adotar medidas práticas para o enfrentamento do problema.

Bibliografia
• DORATIOTO, Francisco. (1997) As relações entre Brasil e Paraguai (1889-1930) do afastamento pragmático a aproximação cautelosa. Brasília: UNB (tese de doutoramento).
• LAINO, Domingo. (1979) Paraguai: Fronteiras e Penetração Brasileira. São Paulo: Global Editora.
• MARQUES, Maria Eduarda Castro (org.) (1995). Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Porto Alegre: Relumbre Dumará, Biblioteca Nacional.
• MENEZES, Alfredo da Mota (1987). A herança de Stroessner. Brasil-Paraguai 1955-80. Campinas: Editora Papirus.
• MORA, Frank. (1990) A Política Exterior del Paraguay la busqueda de la independência y el desarrollo. In: SIMON, G. Política Exterior y Relaciones Internacionales del Paraguay Contemporáneo. Centro paraguayo de estudos sociológicos. Asunción (serie de relaciones internacionales).
• MINGARDI, Guaracy. (1996) O Estado e o crime organizado. São Paulo: tese de doutorado/ departamento de Ciência Política-USP.
• MIRANDA, Aníbal (2001) Crimen Organizado em Paraguay. Assunción: Miranda e Associados.
• SEQUEIRA, Carlos Antonio Guimarães de. (1996) Crime organizado: aspectos nacionais e internacionais. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 4. Fascículo 16. São Paulo, out/dez
• STERLING, Claire. A máfia globalizada: nova ordem mundial do crime organizado. Rio de Janeiro: Revan.
Notas
2 Decisão do Conselho do Mercado Comum – Decreto número 5/93
3 Decreto n° 441. Entrada em vigor do acordo 06/02/1992.
4 Decreto n° 97560. Entrada em vigor do acordo 08/03/1999
5 Decreto n° 4240. Entrada em vigor 21/05/2002.

Ariane Cristine Roder Figueira é Doutora em Ciência Política pela Universidade de SãoPaulo – USP e professora dos cursos de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP e da Universidade Anhembi Morumbi (arianeroder@gmail.com).

Fonte: Jornal da Imprensa

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